Crítica: Êxodo: Deuses e Reis
“O que é um Deus para um descrente?”
Parece que neste Êxodo – Deuses e Reis, Ridley Scott ( Alien, Gladiador, Prometheus) entendeu seu ponto forte. Com Prometheus, ao tentar se dedicar a discutir Teologia e a levantar questões complexas como a existência de Deus, de onde viemos e quem nos criou, o diretor foi limitado pela sua própria incapacidade de elaborar alguma questão que saísse do lugar comum (Os engenheiros, o aspecto mais interessante daquele longa foram mal aproveitados). Curioso que em Êxodo o mesmo realize uma história que é centrada, essencialmente, num homem que não crê em Deus e seja confrontado com sua fé enquanto a mesma é provada em campos de batalha e discussões políticas. E é muito inteligente de Scott reconhecer seu ponto fraco (até porque a discussão de fé em Deus nunca foi o tema central da história) e dedicar seu tempo as questões políticas que envolvia a história de Moisés (Christian Bale) e Ramsés (Joel Edgerton).
Curioso também o cineasta cometer o mesmo erro em Êxodo: mais uma vez entrega dois promissores atos que culminam num 3º tom blasé. Neste caso, apesar, o final é bem superior a maioria de seus últimos filmes (Incluindo Prometheus), levantando boas questões sobre a libertação dos hebreus, e o questionamento que um dos personagens levanta ao final é revelador por justamente levantar um espelho sobre nossa atual sociedade e religião.
Em relação aos atores, não há muito a ser dito. Scott conseguiu um elenco coadjuvante invejável, mas não o aproveita. Sigourney Weaver, Ben Kingsley, Aaron Paul e John Turturro não têm muito o que fazer. Joel Edgerton, apesar das limitações de roteiro e do claro desinteresse de Ridley por Ramsés, consegue fazer nos importarmos com ele pela relação que o personagem tem com sua família e seu filho, rendendo um comovente momento. Bale, como sempre, se dedica totalmente ao papel, transformando seu Moisés não num sábio profeta, mas sim num guerreiro (aqui, novamente, o teor político da trama), com dedicação ativa aos campos de batalha.
Os melhores momentos do longa, aliás, são quando a crença religiosa de Moisés é posta à prova, e vê-lo discutindo com Deus (que aqui , ironicamente, é representado como uma criança mandona petulante) demonstra uma complexidade interessante com seu dilema em relação aos hebreus e os egípcios. Moisés demonstra em certos momentos uma clara aversão pelos “atos” de Deus e suas pragas, já que, por ter sido criado no Egito e por ter apreço pela vida humana, se sente dividido entre estar do lado dos hebreus e ver o povo com que cresceu sofrer e morrer, sentimentos que seu Deus não demonstra, levantando questões sobre o suposto Deus impiedoso e genocida do primeiro testamento que enriquecem bastante a narrativa.
Na parte técnica o filme agrada. Os efeitos especiais estão competentes. A direção de arte merece indicações a prêmios, pois a grandiosidade do Egito nunca soa artificial, rendendo bons deslumbramentos e a ação é bem coreografada.
No fim, Ridley Scott realiza seu filme mais interessante em anos, faz o que não conseguiu em Prometheus, e realiza a revisão da história bíblica de um interessante ponto de vista político, com boas cenas de ação. Alguns deslizes em relação a personagens e roteiro não impedem a boa experiência. Os motivos da guerra e seus “lados” rendem bons momentos. Como o que Móises discute com Deus em sua forma mensageira:
Ao ser pressionado pelo mensageiro sobre a guerra com o Egito, com o mesmo dizendo que está impaciente com a demora de Moisés e suas ações, o guerreiro responde da seguinte forma:
“Impaciente? Você esperou 400 anos com “seu povo” na escravidão”
Uma resposta que o mensageiro não rebate.
E já dizia Frank Ocean em No Church In The Wild:
“Seres humanos em uma manifestação. O que é uma manifestação para um rei? O que é um rei para um Deus? O que é um Deus para um descrente, que não acredita em nada?”
*Opte pelas versões em 2D. O 3D é escuro e impede a compreensão de certas cenas.
*Na minha sessão, no Espaço Itaú de Cinema do Shopping Bourbon Pompéia, de SP, o projetor desligou 3 vezes durante o filme. Um funcionário informou que o mesmo havia “esquentado demais”, sobrecarregando-o, o que acabou por interromper a narrativa. Nota zero para organização.