‘Léo e Bia’: Os ecos artísticos entre Liberdade & Censura.
“Brasília é uma prisão ao ar livre”. (Clarice Lispector)
A epígrafe supracitada pode soar irônica, mas é um câncer real.
Essa liberdade reinante da nossa capital federal contrasta com os escândalos e a lama que inunda a rampa do Palácio do Planalto.
Ambivalências que fazem da constatação de nossa Clarice – além de poética – uma sentença acrônica.
O trailer de dois minutos (https://www.youtube.com/watch?v=ROHFZBbfu9w) é suficiente para perceber o engajamento político-ideológico enraizado no roteiro do filme, que marcou a estreia do até então cantor e compositor Oswaldo Montenegro, como cineasta.
“LÉO e BIA” é a adaptação cinematográfica do musical homônimo que foi sucesso no teatro na década de 80, e fez uma plateia de mais de 500 mil pessoas (doces lembranças de palcos frutíferos!)
Estamos ao fim de 2014, e tanto o teatro quanto o cinema lutam vorazmente para conseguirem manter-se vivos em meio à ditadura condicionada do entretenimento capitalista e lucrativo.
Voltamos 46 anos da história política do Brasil – levando em conta o ano de lançamento do longa (2010) – e nos deparamos aos tempos obscuros da Ditadura Militar.
Os filhos da pátria que sentiram na pele – obrigatoriedade do exílio ou marcas da tortura – sabem o que realmente foi e representou o “governo” dos militares.
DITADURA esta que é totalmente oposta e cavalga na contracorrente da ditadura que alguns “reacionários” da nossa atual democracia temem – em cinco pontas e tons vermelhos – e levianamente preveem que será instaurada nos próximos quatro anos.
(Cuba! Muitas cubas libres no cérebro.)
E no fogo cruzado entre a ditadura e o final dos anos hippies, sete amigos sonham viver daquela subversão que só tem PUTA, VIADO e VAGABUNDO.
Sete que querem viver e uma que teve que abdicar.
(Vivi, sonhei e abdiquei. Porque quis.)
A mãe de Bia personifica a repressão política dos militares, que agora entra em cena pelas facetas de uma mãe obcecada pela cria.
“… Você não ensina pra gente o que é arte. E a gente não te ensina a censurar…” (Léo)
O paradoxo entre a liberdade artística e a censura ganha a cena.
A censura antes política, hoje se faz velada na imprensa, pelos patrocinadores ou em alguns casos pelo próprio público. Sempre tem alguém pronto para apontar que aquilo não deve estar ali.
E o que dizer da burocracia das fundições culturais e dos órgãos de “incentivo” e fomento as artes?
(A arte pela arte sobrevive a pão, água e sangue nas veias!)
Montenegro injeta na película traços nítidos de contemporaneidade, que explodem na metalinguagem entre o cinema e o teatro, e o cinema em seu estado bruto, embrionário congelante da fotografia.
O texto crítico, permeado de sátira e humor, é repleto de citações que caminham na tênue e perigosa linha do diálogo orgânico e da interpretação forçada. Além é claro, de música, muita música!
A maturidade cênica fica por conta das interpretações de: Françoise Forton em plena forma (mãe de Bia) e Paloma Duarte (precisa – como de costume – nas nuances de Marina, personagem real baseada em Madalena Salles).
O elenco jovem tem como carro-chefe as atuações um Emílio Dantas (Léo) sempre inspirado e natural, e uma Fernanda Nobre (Bia), apesar de em alguns momentos lembrar personagens anteriores, cada dia mais madura. Mas, é a troca de todo elenco, que nos faz voltar no tempo, nos palcos que ficaram para trás e nos sonhos que ainda hoje vivem lá em nossas coxias.
Filme completo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=Gzvrhcavj3w