Enter The Void (2009)
Gaston Bachelard afirma ter a vela o poder de criar devaneios e imaginações abstratas na mente de quem a contempla, no caso, o filósofo solitário. Por conseguinte, ao perguntar-se “O mundo não está vivo, numa chama? A chama não tem uma vida?” talvez estaria ele questionando a solidão do homem, a quietude do fogo que arde e que naquele momento que cheia de vida se queima de forma gradual, o futuro próximo nem seja mais a sua contínua beleza solitária, mas, a sua morte. As sombras e o silêncio que rodeiam a chama ardente transformam a harmonia que no ambiente se constrói tanto no modo de sentir, de pensar, de agir, em reconhecimento de uma mudança por ali estar, naquele momento, a vislumbrá-la. Posto que na ausência da falta de som como da imagem sombreada que a luz produz, se espalha diante de nossos olhos o reflexo de nós mesmos e deste modo nos tornamos mais sábios, no mesmo caminho de Bachelard, sigo nestas palavras a refletir à respeito da morte com vista o que senti e refleti à respeito do filme Enter The Void do director Gaspar Noé.
A brevidade da vida é comovente assim como nos proporciona um modo de viver ilusório, apático, de forma a nos tornarmos apenas seres que tem vida e que não vivem. As delicadezas proporcionadas pela natureza, pela grandiosidade das pequenas sutilezas as quais não nos comovem, por sermos reféns do medo da morte, ou mesmo da própria vida, nos tornam, como seres humanos, infelizes. A felicidade de contemplar a beleza de uma flor desabrochar, de uma onda azul do mar chegar à praia, os cantos dos pássaros que cantam nas árvores de uma casa de campo quando a visitamos, tais momentos são os quais, na realidade, pensamos em quem amamos, e o amor, tanto como a felicidade, devem ser compartilhadas por nós, de nós, para alguém.
A morte pode acontecer de diversas formas, como através de uma doença, de um acidente, do suicídio, da velhice. No caso do envelhecimento, nossas forças vão se extinguindo, a cada ano que passa nosso corpo se fadiga, torna-se mais velho, a vida perde sua resitência, torna-se gradualmente mais fraca. O interessante é o fato da morte estar sempre presente em vida, isto é, ao passo que os segundos se passam, ela se aproxima de nós, e tal fato pode transformar nossas ações e decisões em vida. Ao passo que nossas rotinas se apoderam de nossas vidas como nos tornando escravos de sua prática, de seu hábito, ao invés de vivermos e trabalharmos, acabamos fazendo o oposto. No mesmo instante que escrevo e reflito sobre a morte e executo o trabalho de transpor em palavras meus pensamentos, e um outro alguém está cozinhando para muitos, outra pessoa está fazendo cálculos matemáticos, operando máquinas, etc; o sol está se pondo, a maré está baixando e os pássaros voando em direção às aguas frias do oceano.