‘Alice’: O “curto” abismo entre o AMOR e as PERDAS.
“… Não a criada por Lewis Carrol, a americanizada por Tim Burton, nem a reinventada por Karim Ainouz e Sergio Machado, muito menos a sonhada por mim…”.
Alice é de 2005. É de São Paulo. É do cada dia mais raro 35 mm.
Essa Alice – mais uma que sou apresentado – é a personagem central do curta metragem homônimo do cineasta paulista Rafael Gomes.
‘Alice’ narra a história da personagem-título e de Alex. Separados, eles se desencontram na vastidão da metrópole paulista, e juntos constroem uma geografia sentimental de AMOR e PERDA.
O diretor constrói o filme em uma estrutura dramatúrgica de monólogo compartilhado, onde a interação direta entre as personagens só acontece no desfecho da história.
Essa aflição perdura durante dez minutos.
– Será o desencontro o próprio desfecho?
Todo diálogo entre Alice e Alex acontece pela reprodução fria de uma caixa postal de telefone. O diálogo é interceptado pelo desencontro. A necessidade do outro é clara, mas a existência real de um para com o outro, a cada novo bip, se revela mais distante.
“… O nome da minha filha será Alice (Sim. Eu terei uma filha!)”.
Tenho uma relação especial pelo nome, que não se configura simplesmente pelo imaginário que o acompanha, mas pelos textos que seu breve escrever me provoca, pelos subtextos que seus sinônimos me revelam e pela subjetividade libertária das “Alices” que já vi passar.
A relação entre eles não é explicitamente revelada. Nuances dos sentimentos permanecem ocultas.
Se há quase exatos 10 anos atrás o abismo geográfico já era a terceira pessoa das relações, o que falar de hoje, no mundo da conexão, dos aplicativos, das redes sociais?
“O abismo de Alice e Alex é o abismo de qualquer casal que ama, que perde”.
O pai dela morre (renascença?).
Ela volta para São Paulo (já esteve ali?).
Mas, ela vai voltar (pra onde?).
Confesso que esse recado da caixa postal me fez embarcar imediatamente em um dejavú para Palmas…
– EMBARQUE CANCELADO!
As motivações eram as mesmas, mas as reações eram distintas.
Simone Spoladore e Fernando Alves Pinto se veem incumbidos em traduzir na voz e sincronizar a carga sentimental das narrações às expressões faciais em um estridente silêncio. E cumprem o desafio com louvor!
Fernando na época era – e ainda é – pouco conhecido do “grande” público (entenda-se televisão), mas já construía uma sólida e diversificada carreira no cinema. Seu primeiro trabalho que testemunhei foi no inovador Dois Coelhos (2012). Enquanto isso, Simone já vinha de dois marcantes trabalhos na TV e densos papéis no cinema e hoje, mantém essa densidade.
“Assistir filmes “antigos” e não ver os atores coqueluches das novelas é um desfrute cinéfilo que muito me agrada. Os filmes “contemporâneos” apelam na redundância da escalação de elenco (como se a temática já não fosse bastante). Esquecem o ATOR, e privilegiam o ARTISTA”.
Alice (como sempre) e Alex se fazem tão análogos a nós mesmos.
“… aumentar o buraco ao invés de sair dele”.
“… longe é só um lugar aonde a gente nunca vai”.
A atemporalidade poética do roteiro o faz universal.
Muda-se a metrópole, muda-se a ponte aérea, mudam-se os nomes, mas os conflitos, esses, estão sempre ali pra fechar nossos casulos e congelar nossas asas.
“Alice” é mais uma película que imerge nas filmografias que traçam um mapa das relações humanas, em meio à globalização do mundo contemporâneo e os vácuos sentimentais que construímos no cotidiano avassalador dessa selva colossal de concreto e abstrações.
Link para assistir o curta no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=d1TEYW1xNjg