A Fotografia de Sin City – A Cidade do Pecado
Sin City – A Dama Fatal, enfim chega aos cinemas, 9 anos após o icônico primeiro filme. Com um lançamento tão especial justamente por reunir quase toda a trupe do primeiro filme, por que não falar sobre um dos elementos mais importantes do primeiro longa: sua bela fotografia?
Robert Rodriguez sempre foi um diretor multifuncional. O “filme-de-um-homem-só”. Costuma escrever, dirigir, editar e até compor a trilha sonora de seus filmes. Egocentrismo ou preciosismo? A verdade é que Rodriguez sempre foi apaixonado pela arte, e até seus filmes de qualidade questionável (Pequenos Espiões 4, A pedra Mágica, entre outras produções infantis), por mais “picaretas(por falta de palavra melhor)” que pareçam, são sinceros, ao menos. Picareta ou farsante não são adjetivos que podem caracterizar o cineasta. O diretor também é apaixonado por tecnologia e como ela ajuda os filmes como linguagem, e não artifício ( coff,Peter Jackson, coff). Para alcançar o efeito ou cena desejados, Rodriguez inventa truques novos, recicla trucagens antigas e sempre “dá seu jeito”, como o cineasta underground que sempre foi (O Mariachi, primeiro longa do diretor, teria sido rodado apenas em duas semanas com rasos 7000 dólares).
Robert Rodriguez
Rodriguez era também apaixonado por Sin City, obra Noir máxima de Frank Miller (O cavaleiro das Trevas, 300), e, por anos, tentou fazer o filme que revolucionou as adaptações de Histórias em Quadrinhos. Rodriguez só estava esperando o avanço da tecnologia, pois, do contrário, não poderia filmar a Graphic Novel da forma correta. Sin City não é um “blockbuster” Hollywoodiano cheio de ação e frases leves de efeito, com o protagonista que salva a mocinha e dirige em direção ao pôr do sol no fim. Sin City é sobre o maníaco que procura um assassino devorador de mulheres, sobre um policial numa cidade corrupta e um psicopata amarelo, sobre um grupo de prostitutas que tenta proteger o “local de trabalho”… em Sin City, as coisas nunca têm um final feliz no esquema das coisas.
Frank Miller
Miller, que já havia tido sua parcela de más experiencias com Hollywood (ele é o responsável pelo roteiro de Robocop 2 e 3, do qual nada foi aproveitado) e como todo bom autor independente, foi persistente ao manter sua história longe dos engravatados que queriam transformar sua história num mero blockbuster por tanto tempo. Lá por 2004, então, Rodriguez montou um curta de 3 minutos com Josh Hartnett e mostrou ao quadrinista. Miller deu duas opções a Robert Rodriguez: se o curta o convencesse, os dois fariam o filme juntos. Do contrário, Rodriguez teria “um curta legal para mostrar aos amigos”, palavras do próprio Miller. Já dá pra entender o que aconteceu: Sin City chegou aos cinemas em 2005, foi um tremendo sucesso para um filme do tipo, virou um clássico cult e ganhou uma legião imensa de fãs. E Frank Miller havia se apaixonado por Hollywood novamente, mas essa já é outra história…
Depois dessa longa introdução, já dá pra imaginar porque o quadrinista aceitou fazer o filme em primeiro lugar. O filme é fotografado com maestria por Rodriguez, chegando a transpor páginas inteiras do quadrinho para as telas, nos mínimos detalhes. A Graphic Novel de Miller é feita totalmente em preto e branco, sem tons de cinza. Há apenas o contraste, formando belas imagens, com jogos de luz e sombra.
Para alcançar tais efeitos, Rodriguez foi um dos pioneiros em Chroma Key, sendo um dos primeiros a utilizá-la não como artifício, mas como linguagem. A fotografia e o estilo usado por Rodriguez não só ajudam a contar a história do filme e mover a narrativa, mas também a dar o tom do universo frio e duro que é Basin City, a cidade onde os contos de Sin City se passam. Os atores tiveram que contracenar, na maioria das cenas, num fundo verde, para o universo estilizado de Basin City dar o tom Noir da narrativa depois. Perceba como alguns efeitos, como o branco quase brilhante dos curativos de Marv que criam um destaque e contraste imenso são feitos:
O assassino amarelo, na verdade, nem era amarelo na “vida real”. Por trás das câmeras, Nick Stahl, além da maquiagem pesada, teve que ter sua pele completamente pintada de azul. O efeito desejado não seria alcançado através de maquiagem amarela no set, então a cor foi colocada na pós-produção.
Rodriguez usa muitas técnicas narrativas para alcançar o efeito desejado, como perspectiva que lembra expressionismo alemão, com sombras, contrastes e fortes inclinações:
Temos o “herói” enfraquecido pelo ângulo baixo:
Reencontrando forças, agora imponente. O ângulo baixo é o mesmo. Uma vez para enfraquecer, outra para engrandecer.
O ícone, enfim:
Em determinado momento, Rodriguez aproxima ainda mais o visual do filme com o dos quadrinhos, eliminando gradualmente o tom de cinza e aumentando o contraste de preto e branco conforme uma cena chave se desenvolve. Perceba a mudança:
Por falar em mudanças na paleta de cor da fotografia, o único lugar e momento do filme onde a cor, mesmo que dessaturada predomina totalmente é no “Kadie’s Bar”, onde os protagonistas da história frequentam. O motivo disso é passar a sensação de calor. A fotografia diz muito sobre um lugar ou a atmosfera em um filme. Por isso, associamos normalmente o vermelho com perigo ou sensualidade neste tipo de filme. As cores quentes usadas no bar querem dizer que o mesmo é o único lugar onde as coisas não são tão frias, como no resto da projeção. O bar está presente nas três histórias que compõem o filme.
Exemplo de um dos muitos usos da cor vermelha na obra: a luxúria:
Abaixo, algumas comparações das Graphic Novels que originaram o filme e os frames tirados diretamente do mesmo, mostrando todo o preciosismo e respeito que Rodriguez deu a obra:
Como pode ver, a fotografia de Sin City é o que define o filme de muitas formas. A obra não seria a mesma sem os contrastes de preto e branco, cores graduais, visual diferente e inovador que o tornaram um jovem clássico do cinema. Seu estilo inspirou uma legião de cineastas e filmes, para o bom (300) e para o mal (The Spirit). Sin City é, até hoje, uma das esnobadas mais injustas do Oscar, que não reconheceu o belo trabalho feito por Rodriguez. A obra não levou sequer uma indicação. Porém, o filme (e sua bela fotografia) é dissecado e discutido até hoje, por uma legião de cinéfilos e fãs do bom cinema.