The Bothersome Man (2006)
O filósofo holandês Baruch Spinoza (1637-1677) rompe com o pensamento teológico da tradição uma vez que suas abordagens, a da teologia, conferem a Deus uma qualidade transcendente, a qual estaria além da natureza, contudo, a reflexão de Espinosa acerca de Deus tem como embasamento uma identificação com a natureza, isto é, seriam a mesma coisa. De acordo com Marilena Chauí: “[…] a teologia é uma ausência de saber verdadeiro que pretende conseguir a obediência e submissão das consciências a dogmas indemonstráveis, sendo por isso mesmo um poder tirânico e não um conhecimento. A trilha da criação, pressuposto desta teoria a qual o autor se depara e critica, é abandonada por ele o qual passa a delinear suas ideias não a partir de um estágio do criador, que hipoteticamente é a base fundamentada pelos argumentos religiosos, mas numa escala de produção das coisas. Entretanto, se há a crença inquestionável em Deus como um ser transcendental, como seria então o paraíso, digo, se seguíssemos piamente as palavras do senhor? Neste caso, não sei se seguiria tal caminho e Jens Lien, o diretor de Den Brysomme Mannen, (2006) conhecido fora da Noruega como The Bothersome Man, acredito que concordaria comigo.
O filme começa com um beijo enlouquecedor e extremamente interessante numa plataforma de trem enquanto Andreas (Trond Fausa Aurvaag) se encontra de pé como um observador triste. O silêncio da cena permeia os sons longos e progressivos das lambidas, das chupadas de lábios, das trocas de salivas entre o casal que ali se apresenta também, nada feliz. Sabe uma situação embaraçosa, constrangedora? É após um tempo neste cenário de amargura, que Andreas pula em direção aos trilhos e acorda logo em seguida num ônibus no meio de um deserto sem saber onde está. Ele é recebido por um homem numa casa que ao mesmo tempo é um posto de gasolina e o leva para seu apartamento na cidade. É lhe dado alguns papéis e um novo emprego como contador numa empresa no centro da cidade.
Seu escritório é limpo e muito arrumado. Seus colegas de trabalho sempre muito simpáticos, sorridentes, gentis e gradualmente, ao conhecer as pessoas ao seu redor, Andreas se relaciona com uma decoradora de imóveis e acaba se mudando para sua casa. Tudo parece muito bom na vida desse personagem, contudo, nada realmente está bem e sim, as aparências podem enganar. O seu primeiro momento de desconforto é no bar, onde a bebida não consegue compactuar com seu papel de embebedar. No banheiro do mesmo local ele ouve um homem dentro de um dos boxes se martirizando com sua vida sem sentido, sem sabores, sem cheiros, sem vida. O sexo não é bom, a comida nada agradável, todos os relacionamentos existentes, sejam eles entre pessoas assim como entre pessoas e objetos são completamente superficiais, não há moral, não há sentimento, compaixão.
Ao mesmo tempo que nada acontece como deveria acontecer, como na circunstância em que Andreas se depara com sua falta de dor ao cortar por acidente seus dedos no escritório, sangrar bastante e seus companheiros de trabalho simplesmente não demonstrarem nem um pouco de preocupação como também de desconforto com aquela cena séria, o que poderia então ser engraçado, se nem tal fato pode ser considerado extremo? Gargalhadas por uma piada sobre a troca de um sofá da sala de um de seus colegas. Sim, é neste instante em que Andreas se choca com a realidade a qual está vivendo e decide correr riscos com uma amante, que também trabalha em seu escritório.
Porém a frustração e a tristeza permanecem a rodear a vida de Andreas. Mesmo tendo um relacionamento sério assim com tendo uma amante, suas duas namoradas não são nem um pouco interessadas nele como também não demonstram nem um pouco de simpatia, amor ou paixão por ele. Mesmo tentando ser romântico elas estragam o momento, mesmo tomando a decisão correta de sair de casa e confessar para a primeira namorada que está tendo um caso, a completa indiferença preenche o total vazio de sentimentos que ali faltam por existir.
A vida após a morte não é nada atraente, nada agradável, as pessoas não sentem nada, não há troca, distração, carinho, amor, tédio, felicidade, afetos. Andreas tentou se livrar de uma vida de tristezas, amarguras, contudo, foi levado para um lugar nada prazeroso e pelo contrário, além de pior, esse paraíso não o permitiu se jogar na frente de um trem e acabar com o sofrimento que passava. Num dado instante Andreas encontra um caminho para a felicidade, ele ouve música e através de uma parede ele perfura as pedras até encontrar pelo fruto desse prazer, e o que consegue, é pegar um pedaço de bolo e o saborear enquanto é levado para a administração da cidade. Ele não é punido e pelo contrário é obrigado a deixar a cidade e é levado para outro lugar.
The Bothersome Man aponta o afastamento pelas pessoas das coisas simples da vida, dos sentimentos que podem e devem ser reais para cada um, todavia as superficialidades tomam conta de nossas atenções. A vida após a morte é perfeita, isto é, é uma reflexão sobre se realmente pode existir algo perfeito, não há felicidade como também não há tristeza, não há miséria e riqueza, vida ou morte. São infinitos encontros casuais entre pessoas que mal se conhecem e que riem com piadas esdruxulas e sem sentido, contudo é assim que no mundo contemporâneo as pessoas vivem, escapam de uma ideologia, de sonhos, de conquistas pela manutenção do status quo. Mas Andreas não se encontra distante dessa realidade, e em contrapartida, ele compactua, já que não tenta mudar sua realidade assim como se deixa levar pelo sentimento de melancolia que corrói sua alma e deixa ser o trem a resposta para os seus problemas.
É um filme de humor negro, que interessa, que nos faz refletir pelos nossos valores, pelas nossas decisões, pelas escolhas que podemos tomar no dia a dia de nossas vidas. Não há o porquê de esquecermos o que está na nossa frente, aqui, no mundo terreno e buscar algo que realmente não sabemos o que pode vir a ser. Por que não ser e viver plenamente enquanto é possível? Há de se perseverar na troca, nos sorrisos, nos momentos únicos com cada pessoa que nos é importante, já que uma coisa temos muita certeza: que um dia estaremos mortos. Agora, se estaremos no paraíso de Andreas, não cabe a mim responder.