Crítica: Ela
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Crítica: Her

por Bárbara Pontelli

Eis que o filme Ela (“Her”) foi o escolhido para a minha primeira crítica junto ao Cinem(ação). Na verdade há tantos filmes incríveis que gostaria de comentar e, justamente pela enorme quantidade, resolvi não selecionar muito: Her foi o primeiro que pensei e, portanto, resolvi considerar essa “escolha” (in)consciente.

(SPOILER – aviso aos leitores que boa parte do texto a seguir revela momentos importantes do filme. Recomendo que continue a ler após assistir ;D )

Joaquim Phoenix está incrível na pele de Theodore Twombly – protagonista – um escritor solitário, deprimido e melancólico que não aceita o divórcio de seu casamento – mesmo após um ano de separação. A personalidade de Theodore é bastante evidente: um homem sensível, emotivo beirando ao “melodramático”. Os diálogos de Theodore chegam a ser poéticos o que revela um roteiro bem produzido somado, ainda, a uma dose de humor na medida certa, de forma a sobressair o tom romântico – dramático do longa.

Vale destacar, que o filme caracteriza-se pela vivência em um ambiente essencialmente moderno e tecnológico, conforme podemos observar já nas primeiras cenas – no trabalho de Theodore. Computadores modernos, tecnologia avançada (bem como o acesso a ambos) é uma realidade em todos os ambientes: no elevador, no trabalho, no ambiente doméstico e até mesmo na rua. Há todo um semblante futurístico mas sempre sugerindo que, tal futuro, pode estar mais próximo do que imaginamos.

Assim, certo dia, Theodore adquire o primeiro sistema operativo de inteligência artificial. Tal sistema caracteriza-se por ser uma entidade intuitiva cuja qual, através da voz, é capaz de comunicar-se e interagir – tal como um humano o faria. A primeira grande sacada aqui é justamente essa: a humanização da máquina. Pessoas passam a interagir com a máquina e, essa por sua vez, alcança um patamar tão avançado que chega a ser capaz de produzir as interações humanas com uma fidelidade que beira ao absurdo.

A princípio essa nova companhia (Samantha), assume-se como uma “amiga” na vida até então solitária de Theodore: ela organiza seus e-mails, conversa…. e até mesmo o encoraja a ir em um encontro. Para além da relação homem/ máquina/ tecnologia, outra questão começa a tomar mais forma nesse momento do filme: o amor/ relacionamentos. O encontro arranjado de Theodore termina de forma desastrosa. Mais uma vez são várias as observações que podem ser levantadas a partir da situação e, por que não, tecer paralelos com a questão tecnológica – o que ao meu ver é justamente o que o filme sugere a todo momento. Essa realidade super moderna denuncia uma geração ansiosa, vulnerável e sem preparo para lidar com a complexidade das emoções. Vemos a decepção nos olhos de Theodore o tempo todo! Os personagens nunca parecem atender ou ter suas expectativas atendidas. Essa geração – filha de todo esse avanço tecnológico – parece ser uma geração em busca, principalmente, de sensações e acaba tornando-se inábil para lidar com o real…as pessoas não sabem e não aceitam mais estar só….será por isso que Theodore e todos os outros acabaram buscando por um sistema operacional para ter alguma companhia? Nesse sentido, ao longo do filme, o envolvimento de Theodore com Samantha torna-se cada vez maior resultando em uma paixão entre ambos.

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Paralelamente, é inegável o sentimento admirável que Theo passa a nutrir por Samantha. Observa-se um lindo romance entre os dois, digno de um relacionamento real. Frente a isso, levanta-se outra discussão: embora “não tenha um corpo”, o amor que Theo vivencia é real? Os momentos de felicidade que o protagonista vive, adquire a dimensão real? – já que Samantha é apenas um sistema operacional….uma voz ecoando de uma máquina? Ou seriam apenas idealizações de sua mente? Seria menos real que a felicidade que sentira quando estava casado com Catherine (Rooney Mara)? O que seria o amor então, além de sensações que provocam bem-estar e felicidade? Tema complexo, não aparecem respostas prontas, há apenas espaço para questionamentos e inúmeras reflexões.

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Há dois momentos de “crise” que Theo passa diante seu relacionamento com Samantha: o primeiro, no qual questiona a realidade dessa experiência e o segundo momento que provoca o desfecho do filme. Esse primeiro momento de crise acontece quando, ao decidir assinar os papéis do divórcio, sua ex-mulher Catherine força-o a confrontar-se com a realidade afirmando que ele namora com um computador pois não consegue lidar com emoções reais; situações reais. Abalado, Theo procura sua amiga Amy (Amy Adams). O argumento de Amy é emocionante…na verdade é algo tão simples e sábio…mas é uma constatação que quase nunca é lembrada…ela concluí que estamos aqui por pouco tempo e, durante esse tempo, vou permitir me sentir feliz. Você sempre vai decepcionar alguém (…). Válido conselho, garante mais alguns bons momentos entre Samantha e Theo, até que o inevitável acontece: Theodore observa um “afastamento” de Samantha provocado por sua busca constante de “aprimoramento”. Samantha começa a comunicar-se com outros sistemas operacionais, ou seja, a partir do momento em que Samantha vivencia novas experiências, ela “cresce” para além daquilo tudo que o relacionamento com Theo tem a oferecer. Theo não é mais suficiente para ela. Aqui, podemos novamente traçar um paralelo com as relações humanas – ou até mesmo entre Catherine e Theo, quando estavam prestes a se divorciar. O próprio Theodore observa que (…) nós mudamos e crescemos juntos. Mas essa é a parte difícil. Crescer com ela acabou me afastando. Penso que, a sacada do filme que impulsiona os términos – tanto de Catherine quanto de Samantha – refere-se à própria ideia da necessidade de amadurecimento mútuo em um relacionamento. O que quero dizer é que, tantos nas relações humanas (Catherine) como em quase tudo na vida (tecnologia/ Samantha) estão em constantes mudanças….estamos sempre pensando, repensando, conhecendo e tendo novas experiências. Assim, em um relacionamento é importante – não somente haver esse espaço para processos individuais – mas é preciso principalmente “crescer juntos”. Quando um “cresce mais que o outro” e não há um compartilhamento/ identificação natural de experiências e processos internos, deixa de ter sentido estar em um relacionamento. As experiências precisam ser complementares, haver troca, quando deixa de existir isso…quando o outro começa a ter experiencias diferentes…o processo de contínuo amadurecimento fica em descompasso, não há mais um “crescimento junto”. Acabou. E é exatamente ISSO que acontece com Catherine e Samantha. E é exatamente isso que Theo vai entender somente no final do filme; essa é uma das mensagens importantes do longa.

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Por fim, voltando ao desfecho do filme, não demora muito para Samantha revelar o triste final para Theo: todos os SO´s estão deixando de existir e o sistema está ultrapassado. É a hora da despedida entre eles.

No final do filme observamos um Theo bastante diferente daquele do início: maduro, mais forte, corajoso…certamente muito mais preparado para viver um relacionamento real. O desfecho do filme não poderia ser melhor: após se despedir de Samantha, Theo escreve uma carta para Catherine, provando que é preciso finalizar as coisas; tudo precisa de seu ponto final e, só assim, é possível seguir em frente. Na verdade não somos nada mais que a soma de todas nossas experiências – tanto boas quanto ruins.

São várias as questões expostas no filme. A relação entre homem – tecnologia: dependência absurda que se criou entre ambos através de uma situação que beira ao hilário onde o personagem se apaixona pela voz de um computador. Na cena em que Theo caminha pelas ruas, as pessoas ao seu redor também falam sozinhas, gesticulam….uma geração ansiosa que não sabe estar só….mas a partir do momento em que a interação acontece com um computador….a pessoa não continua só?

Um olhar mais cuidadoso sobre o filme, levanta uma crítica importante: até onde vai o limite da realidade e das interações virtuais? Até onde os avanços tecnológicos agem positivamente frente às relações humanas? Óbvio que a tecnologia não é de todo ruim; é indescritível seu benefício para os diversos aspectos da vida. Mas são tantas as questões levantadas…

Será que estamos tão longe dessa realidade do filme?

Outra questão explorada é sobre amor/decepção/expectativa/dor da perda e relacionamentos. O filme é de uma beleza ímpar, Joaquim Phoenix foi capaz de expor todas as contradições, beleza e dúvidas tratando de um sentimento tão complexo! Roteiro inteligente e emocionante, não foi por acaso que Her ganhou o Oscar de melhor roteiro original. Adorei a fotografia, onde o vermelho predomina e nos transporta para um ambiente futurístico mas não tão distante assim. A trilha sonora apenas contribuiu para tornar a narração ainda mais bela!

É possível levantar ainda mais questões e explorar o longa sob inúmeros outros vieses. Certamente Her entrou para minha lista de filmes favoritos!

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