O filme “A Hora da Estrela” e a ‘intertextualidade’ entre a Literatura e o Cinema.
“Não! Não! A culpa não é da estrela.
A culpa é nossa que não sabemos apreciar seu brilho”.
Testemunhamos como numa livre regressão – entendam-se aí os dois significantes do verbo – uma overdose de produções cinematográficas que comungam de adaptações literárias.
Hoje (parece que foi um ontem), uma parcela significativa dos longas metragens que preenchem as salas de cinema, são resultantes da ‘livre’ adaptação de seus diretores/roteiristas, e nos levam a fundamentação de duas teorias para esse fenômeno de intertextualidade entre os gêneros.
A primeira expõe a falta de criatividade (seus realizadores preferem beber em fontes já conhecidas e apreciadas) e a escassez criativa que assola o gênero, necessária para que a renovação se faça; A segunda confirma o poder artístico da literatura e a atemporalidade do seu celeiro de grandes personagens.
Das adaptações mais recentes como: “Capitães da Areia” de Cecília Amado (do avô Jorge Amado); “Primo Basílio” de Daniel Filho (Eça de Queirós); “Dom Casmurro” de Moacyr Góes e “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de André Klotzel (Machado de Assis) e “O Auto da Compadecida” de Guel Arraes (Ariano Suassuna).
Às adaptações da Era de Ouro da Embrafilme como: “Quincas Borba” – 1987(Machado de Assis); “Macunaíma” – 1969 e “Amar, Verbo Intransitivo” – 1976 (Mario de Andrade); “Vidas Secas” – 1963 (Graciliano Ramos) e “A Hora da Estrela” adaptação de 1985 da cineasta Suzana Amaral do livro homônimo da escritora Clarice Lispector, que será usado aqui como objeto de análise.
O retorno desse boom transmídia-literário, há décadas atrás recurso comum e característico do cinema brasileiro na busca de uma identidade propriamente sua, reconfigura o atual cenário de produção, e mesmo que por uma reação involuntária, nos permite fazer um quadro comparativo do cinema brasileiro antes de e depois de.
“A adaptação cinematográfica nunca será fiel ao livro, claro! E na maioria das vezes saímos decepcionados da sessões…”.
(…) O calcanhar de Aquiles que na maioria das vezes é o principal fator de repulsa à grande parte das adaptações. A sensibilidade de transpor – da maneira mais crível e menos nociva ao original – os elementos literários que funcionam nas páginas para os planos e takes em pouco mais de uma hora, não um simples tarefa de atalhos.
“O tempo da narrativa é outro. Natural, próprio, singular. A interpretação dos atores é mais ‘intro’, organicamente de dentro pra fora”.
Características que ficaram ainda mais evidentes após a imersão que fiz para escrever meu gripho literário no site Ambrosia sobre o romance que originou o filme. (Link do Artigo: http://ambrosia.virgula.uol.com.br/clarice-lispector-os-tres-s-de-hora-da-estrela/).
“Se já tinha me rendido ao passar cada página, me rendi novamente ao assistir novamente ao filme da Suzana Amaral (…)”.
Macabéa ganha forma e carcaça no corpo da atriz Marcélia Cartaxo. A atriz paraibana consegue com destreza e introspecção – na fala, na postura e no olhar – ecoar todas as ambivalências da alma vã da sua personagem.
O elenco é uma constelação de tarimbadas estrelas que geralmente vemos mais na TV, contudo sempre fazem das suas participações no cinema uma libertação necessária e marcante.
Fernanda Montenegro (confesso quase não tê-la reconhecido no papel da Madame Carlota), José Dumont (como o ambicioso e vaidoso Olímpico de Jesus, namorado de Macabéa), Umberto Magnani (como Seu Raimundo, patrão de Macabéa).
“Conserva-se a simplicidade e a profundeza do roteiro. As imagens, os signos e a sutileza das interpretações valem mais do que qualquer pirotecnia de qualquer guerra (nas estrelas que seja)”.