Os mordomos das casas brancas
Neste final de semana, eu tive o grande prazer de assistir a um filme como há tempos eu não via. O longa se dedica a contar a história de Cecil Westfall, um americano negro, proveniente do sul dos Estados Unidos, que nasce em uma época onde a sociedade pertence à população branca. Cecil, enquanto criança trabalha em uma fazenda de algodão com os pais, contudo enquanto ainda era pequeno, sua mãe foi estuprada pelo senhor da fazenda e seu pai, assassinado pelo mesmo homem. Neste momento, uma das senhoras da fazenda, leva o pequeno Cecil para ser um “negro de casa”, onde ele pode aprender a se comportar como um mordomo, servindo aos brancos, quase como uma mobília.
A história acompanha a trajetória de Cecil até o ápice de sua carreira quando, por indicação, se torna “o modormo da casa branca”. O protagonista trabalha exaustivamente nela por mais de vinte anos sem ser promovido. Paralelo a este emocionante processo, há o outro lado da discussão: o filho de Cecil, um militante pelos direitos dos negros. Louis é preso diversas vezes e está constantemente em conflitos como a polícia. A família, por não apoiar esta posição do filho, corta relações por vários anos – leia aqui a crítica do Cinema(ção).
Assim, não posso deixar de elogiar o filme em sua brilhante trajetória, os conflitos expostos de maneira complexa e intrigante, e até a elaboração e transformação dos personagens ao longo da história. Contudo, o que o filme nos leva a refletir? O ponto que eu gostaria de destacar aqui é o que eu acredito ser a discussão central do longa: a descriminação racial da população negra. Infelizmente, é difícil acreditar que a nossa história escreveu todo este sofrimento ao longo dos séculos, os negros não foram considerados “seres humanos” durante anos, e grandes instituições como a ciência e a religião, embasavam esta concepção, dia após dia, reforçando os valores discriminatórios entre seres humanos justificados pela cor da pele.
O filme me levou a pensar (mais uma vez), se todo este sofrimento e toda essa discriminação ficaram apenas no nosso passado. Será que podemos ver a história deste mordomo e pensar: “isso faz muito tempo, hoje as coisas não são mais assim”? Não se pode negar que essa é a nossa história, e talvez não tenhamos participado diretamente daquela época, mas estamos participando agora, e o que nós queremos construir para o futuro? Será que em alguns anos olharemos para os dias de hoje com repugnância, como olhamos a época de escravidão? Será que hoje, negros, brancos, índios, e quaisquer outros seres humanos, são compreendidos em uma sociedade igualitária? Será que os direitos e culturas são respeitados? No Brasil, onde há a maior concentração de negros? Em bairros de alto-padrão ou na periferia? Quais são os cargos que a maioria dos negros ocupam? Qual a porcentagem de negros nas universidades? Se olharmos a nossa história, poderemos responder boa parte destas perguntas, teremos instrumentos para compreender melhor o nosso presente e as possibilidades de futuro.
“O mordomo da casa branca” não foi só um, mas são vários, até hoje espalhados por todo o Brasil, por diversas casas, ruas, vielas, favelas e cortiços. Temos uma dívida, e não podemos nos esquecer dela. As palavras de Martin Luther King – citado no filme -, proferidas em agosto de 1963, se fazem atuais e necessárias ainda hoje:“Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!”.
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