O cinema nacional não precisa ir a lugar algum
Entre trailers e notícias sobre cinema, que tanto invadem a vida de quem mantém um site sobre o assunto, me deparei com alguns comentários no mínimo curiosos.
“Comentários de Youtube não devem ser lidos”, diriam alguns mais experientes com a vida online. Concordo que a vida seria melhor sem comentários revoltados ou ignorantes, mas não consigo deixar de rolar a barra do navegador para ler alguns deles, em minha ânsia de compreender um pouco sobre o país em que vivemos e como pensam as pessoas.
Eis que, abaixo de um trailer do filme “Entre Nós”, um jovem escreveu que o cinema brasileiro está “crescendo”, enquanto outro se declarou chocado com a qualidade do trailer.
Infelizmente, é muito comum que parte do público frequentador de cinema ainda tenha um preconceito tão arraigado com o cinema nacional. Aquele ranço de inferioridade do brasileiro se transforma em uma espécie de expectativa para que o Brasil se iguale aos Estados Unidos, e com base em preceitos estéticos, compara as produções brasileiras às estadunidenses.
Ao dizer que o cinema brasileiro está “cada vez melhor”, “crescendo” ou “surpreendendo por sua qualidade”, as pessoas pressupõem que o cinema brasileiro precisa “chegar a algum lugar”. Isso é um equívoco muito grave.
É claro que os filmes brasileiros que se pagam com venda de ingressos ainda são poucos, e todos sabemos que o país produz muitos filmes que se limitam a festivais e mostras de cinema em grandes cidades, nunca chegando ao acesso da maioria da população. No entanto, o conceito de que o cinema brasileiro precisa se tornar uma indústria semelhante à de Hollywood pode ser muito grave. Afinal de contas, somos um país diferente, com pessoas diferentes, cineastas diferentes e desejos diferentes. Por que precisamos ter um sistema de produção tão semelhante?
Precisamos, de fato, de um sistema melhor de distribuição de filmes, de formas alternativas de fazer os longas brasileiros aumentarem seu público, e de uma população que dê mais valor ao que é nacional e um pouco menos ao estrangeiro – o que é difícil, eu sei.
Sinto informar-lhes, mas o cinema brasileiro não está “cada vez melhor” ou “com mais qualidade”. O que está acontecendo no Brasil é que, com o desenvolvimento econômico dos últimos anos e os incentivos à produção audiovisual, cada vez mais filmes são lançados, e isso faz com que tenhamos mais filmes bons e mais filmes medíocres chegando aos cinemas e aos circuitos alternativos. Quando alguém se surpreende com algum filme brasileiro, como se não esperasse tanta qualidade, deixa transparecer um pré-conceito de que filme brasileiro tem sempre qualidade duvidosa, o que nunca foi verdade. O cinema brasileiro sempre foi rico, variado e cheio de referências… mesmo que nem sempre com linguagem semelhante à que é transmitida por Hollywood.
Portanto, tome cuidado quando for falar sobre o cinema brasileiro. Se o seu conceito de cinema nacional se baseia apenas em tropas de elite, cidades de deus e pernas pro ar (que são ótimos filmes, mas não abrangem tudo o que é feito aqui), procure por alguns outros filmes – mas antes, abra a mente para o novo.
O cinema brasileiro não precisa ir a nenhum lugar. Não precisa ficar melhor e nem com mais “qualidade técnica”. Ele também não precisa se assemelhar à indústria estadunidense e nem se basear em quantias astronômicas de dinheiro. O que ele precisa é de menos preconceito, mais público e melhor sistema de distribuição. Qualidade, criatividade e força artística já existem de sobra.