O jornalista, o filme e a polêmica
O jornalista André Forastieri é um profissional bastante importante na área de cinema e cultura pop. Formado em jornalismo pela USP em 1983, o piracicabano trabalhou em revistas como a Bizz e a SET, não sem antes escrever para a Folha de São Paulo, jornal do qual foi demitido após escrever que “esse país não tem jeito enquanto não derem um tiro na Regina Casé”, e em seguida ser processado pela apresentadora.
Mais tarde, Forastieri fundou a editora Conrad, na qual conquistou diversos leitores em todo o Brasil, incluindo este que vos escreve, especialmente com a revista Herói. Recentemente, atua como diretor em uma revista especializada em negócios e é blogueiro do portal R7.
Se André Forastieri sempre foi um jornalista polêmico, sem papas na língua, desta vez cometeu um erro que nenhum jornalista (e nenhum crítico de cinema) deveria cometer: incentivar as pessoas a não consumirem uma determinada obra de arte. Portanto, antes de prosseguir com este texto, é importante deixar claro que:
1- Toda e qualquer produção artística (cinema, literatura, pintura, teatro,música) tem alguma serventia, nem que seja a do contraexemplo. É possível extrair conhecimento, debate, informação e sentimentos até mesmo do pior filme, da música mais horrível, da pintura de mal gosto, etc.
2- É papel do jornalista (e do crítico) não incentivar nenhum leitor a tomar alguma atitude. Ele pode exprimir sua opinião de forma que cada leitor chegue à sua própria conclusão. É claro que os limites éticos, neste caso, são complexos e tênues. Criticar pesadamente um filme, por exemplo (e invariavelmente fazer muitos desistirem de assisti-lo), não é um problema tão grave quanto defender “justiceiros” que algemam menores infratores, agindo às margens da lei que comanda o Estado, caso precisemos de um exemplo “aleatório”.
O fato é que, com as redes sociais e o seu blog em um dos maiores portais da internet brasileira, Forastieri conseguiu algo que muitos jornalistas adoram: fama e polêmica. Todos desejam visitas em seus sites, comentários em seus espaços, compartilhamentos nas redes sociais. É uma pena, no entanto, que seja necessário se valer de uma tentativa sórdida de rebaixar um filme (muito bem avaliado pela maioria dos críticos) sem sequer assisti-lo.
Em seu texto “16 razões para não assistir 12 Anos de Escravidão”, publicado recentemente, o jornalista elenca motivos pelos quais não se deve (ou “ele não irá”) ver o filme do diretor Steve McQueen, elogiado em todo o mundo e considerado “favorito” ao Oscar.
O que o jornalista quis fazer em seu blog foi apenas explicar porque não tem vontade de ver o longa-metragem. É claro que qualquer pessoa tem o direito de não querer ver um filme, seja por quais razões for – até mesmo um jornalista que tem uma coluna em vídeo sobre cinema e cultura pop e teoricamente precisa se manter atualizado assistindo a filmes que concorrem ao maior prêmio do cinema mundial. No entanto, é preciso que um bom jornalista e crítico saiba fazer duas coisas:
1- Deixar claro que algo é sua opinião e jamais deve influenciar os outros, preferencialmente com opiniões menos deterministas e argumentos sólidos, e ainda utilizar um título para que o texto não dê a impressão ilusória de uma sequência de regras absolutas;
2- Não tirar conclusões precipitadas sobre um filme (ou livro, ou qualquer peça artística, evento, etc), sem ter acesso a ele na sua completude. Julgar um filme pelo trailer é o mesmo que julgar um livro pela capa.
Caso fosse um texto repleto de insights interessantes, bem que Forastieri poderia ser um ótimo provocador. Infelizmente, ao utilizar argumentos incrivelmente falhos, o articulista perde credibilidade. Ao dizer que tem “elenco de gibi”, ou que “a crítica é unânime e a unanimidade é burra”, o jornalista apenas facilita a vida de quem discorda de suas ideias. Imagino que ele nunca verá “Trapaça”, já que o filme colocou o Batman,a Katniss Everdeen, o Rocket Racoon e a Lois Lane no mesmo barco. Também imagino que ele vai experimentar comer fezes, já que é unânime no mundo todo que se alimentar de excrementos é ruim… mas toda unanimidade é burra, não é mesmo?
Para finalizar, faço um apelo a todos os leitores: por favor, não caracterize ninguém com a palavra “pseudointelectual”. Ao fazer isso, você apenas demonstra preconceito e muita inveja da sua parte.