Entrevista: André Klotzel
O Cinem(ação) tem muito orgulho de publicar a primeira entrevista. O entrevistado é o diretor André Klotzel, que estará presente na Bienal do Livro de São Paulo nesta quarta-feira.
André Klotzel é formado em Cinema pela USP e estreou na direção de longas metragens em 1986 com “A Marvada Carne”, filme que lhe rendeu 3 Kikitos no Festival de Gramado. Dirigiu o documentário “Brevíssimas histórias de Gentes de Santos” e os filmes “Memórias Póstumas” e “Reflexões de um Liquidificador”. No total, já atuou em 25 curtas e 16 longas metragens, entre cargos de assistente de direção, produtor, fotógrafo, montador e técnico de som. É sócio da produtora Brás Filmes.
Na entrevista abaixo, o diretor fala das mudanças no cinema brasileiro, do cinema brasileiro atual, das leis de incentivo e dos seus projetos atuais.
Cinem(ação): Seu primeiro filme como diretor foi “A Marvada Carne”, e seu último filme foi “Reflexões de um Liquidificador”. O que mudou no cinema brasileiro nestes mais de 20 anos entre um filme e outro? O que permaneceu igual?
André Klotzel: Muita coisa mudou, em vários aspectos. Tecnologicamente, mudou tanto na produção quanto na maneira de ver. Quando lançamos “A Marvada Carne”, o mundo ainda era analógico – ótico e químico. Não existiam câmeras digitais e nem o roteiro era feito no computador: ele foi escrito na máquina de escrever. Naquela época, o Brasil estava começando a ter filmes em VHS, nas primeiras locadoras.
Recentemente fui informado que encontraram em Trancoso, na Bahia, um DVD pirata de “Reflexões de um Liquidificador”. Portanto, dá pra ver como a mudança tecnológica foi grande. É até difícil de comparar, mas esse tipo de mudança ocorreu no mundo todo.
Na época de “A Marvada Carne” o cinema brasileiro tinha uma participação maior no mercado. A maneira de produzir também era diferente, porque tinha a Embrafilme. Hoje o mecanismo de produção é diferente.
Cinem(ação): Quais as maiores dificuldades de se fazer cinema no Brasil?
André Klotzel: A grande dificuldade hoje é saber pra quem se está fazendo o filme. É difícil ter uma boa perspectiva de qual panorama e temática usar, porque o cenário de hoje é muito incerto. Apesar de existir dinheiro para produzir audiovisual, os filmes têm dificuldade de se situar no panorama nacional. Quase todos que não são “Globochanchada” acabam pulverizados no circuito – isto quando entram em cartaz. Ou seja, a grande dificuldade é achar e delimitar o espaço potencial para os filmes, e todas as outras dificuldades são decorrentes desta.
Cinem(ação): Qual cineasta brasileiro você mais admira? E qual o cineasta internacional? Eles tiveram influência no seu trabalho de que maneira?
André Klotzel: São tantas as influências que eu nem sei de onde vem. Não tenho gênero preferido, gosto de todos os gêneros, então as influências vem como germes, estão no ar: são tantas referências que não sei apontar nenhuma. Apesar de admirar muito, por exemplo, o Nelson [Pereira dos Santos, de quem foi assistente antes de estrear como diretor], que foi um paradigma no cinema nacional. Mas eu não gosto da ideia de fazer cinema utilizando referências. Se algo que uso no filme não vem de mim, é insincero e, portanto, artificial.
Cinem(ação): Qual a sua opinião sobre as políticas de incentivo ao audiovisual no Brasil, como a cota de programação nacional na TV paga e as leis de incentivo da Ancine? Ter um mercado de cinema lucrativo no Brasil (como Bollywood, por exemplo) é um sonho impossível?
André Klotzel: O Brasil, infelizmente, tem poucas salas de cinema. Temos mais ou menos uma sala pra cada 100 mil habitantes, enquanto o México e a Argentina tem proporcionalmente quase 3 vezes mais. É muito pouco. Se pensarmos que o Brasil é um país muito grande e com alto consumo interno, deveríamos ter um grande mercado de cinema, mas ele infelizmente não cresce como a economia. No meu ver, a Ancine não trabalha no sentido de atuar sobre esse mercado. Vejo na Ancine somente a tentativa de administrar burocraticamente os investimentos. No fim das contas, o custo do incentivo não é tão bem utilizado como poderia ser.
Seria importante uma política de expansão do cinema brasileiro que compreendesse a inclusão de um público mais amplo que, por ter consumido muita televisão, tem grande potencial para consumir mais cinema nacional. Infelizmente, não vejo nenhuma atitude sendo tomada nesse sentido.
Não existe perspectiva de grande ampliação do mercado de cinema, pelo menos não a curto ou médio prazo. Houve um certo progresso nisso nos últimos anos, mas sem perspectiva concreta de autossustentabilidade. Na verdade, é um pouco assim em quase o mundo todo: o cinema não “fecha a conta”, com exceção dos Estados Unidos.
Cinem(ação): Qual será seu próximo filme? Em que estágio está o projeto?
André Klotzel: Não posso falar muito, até porque ainda é só planejamento. Atualmente, estou com dois projetos de longas e outros dois de série para TV. Me anima a perspectiva de fazer coisas para TV, a exibição já fica garantida depois de finalizado, não é como no cinema que começa um novo ciclo: o penoso ciclo da distribuição no mercado distorcido que temos.
Um dos filmes, do qual fico à vontade para falar porque já foi anunciado na imprensa, é sobre a luta armada nos anos 60 e 70, baseado na organização guerrilheira VAR-Palmares e a expropriação do cofre do Adhemar de Barros. O outro longa é uma história paulistana da qual prefiro não falar por enquanto.
Os dois projetos de longa metragem estão em fase ainda precoce e as séries de TV talvez sejam mais rapidamente concretizadas. Estamos procurando parceira com TVs para financiamento.