Crítica: Na Estrada
O livro “Na Estrada”, de Jack Kerouac, é um dos principais símbolos da geração de artistas estadunidenses que se tornou conhecida como Geração Beat, considerada o primeiro passo para o desenvolvimento da cultura hippie. Jovens poetas e artistas, em busca de liberdade, viajam o país em busca de respostas e amadurecimento: é assim que podemos começar a falar de “Na Estrada”.
“Você está indo a algum lugar, ou apenas indo?”, pergunta um homem a Sal Paradise (Sam Riley), que acaba de pegar carona na caçamba de um caminhão. Como é de se esperar, Sal escolhe a segunda opção. Ater ego de Kerouac e em busca de vivência para escrever seu livro, Sal se encanta por Dean Moriarty (Garrett Hedlund), um jovem inconsequente , intenso e carismático que abandona amizades e amores com a mesma facilidade que as conquista.
Optando por uma câmera inconstante e próxima dos personagens, Walter Salles permite ao espectador o sentimento de proximidade e intimidade tanto nos momentos emotivos quanto nos inúmeros tragos em cigarros de maconha consumidos ao longo da projeção. Narrado com vivacidade pelo protagonista, o filme mostra a vida de jovens que buscam algo maior do que a própria vida, mas na verdade são imaturos e inconsequentes, mas que procuram amadurecer ao longo da estrada.
A vida é uma estrada, e road movies (especialidade de Walter Salles) são nada mais que a materialização desta metáfora. Ao longo dos encontros e desencontros dos personagens, acompanhamos a busca pelo prazer através das drogas, do sexo e da poesia. Vemos personagens femininas interessantes como a jovem Marylou (Kristen Stewart, em boa e surpreendente atuação), a madura e sofrida Camille (Kirsten Dunst) e a pobre Terry (Alice Braga). Salles é também muito feliz ao mostrar a melancolia da mãe de Sal, que vive sozinha e sustenta o filho com dinheiro sempre que ele precisa.
Mesmo com a pouca necessidade financeira dos personagens, é interessante notar a necessidade que eles tem de cometer pequenos furtos para sustentarem suas vidas sem trabalho fixo, mas ao mesmo tempo todos (com exceção de Dean) tem um porto seguro ao qual retornar nos momentos de grande necessidade. Desde o início vemos que Sal afirma não ter um lar, e ao mesmo tempo encontra lar em todos os lugares por onde passa, no entanto é interessante notar a carga dramática de Dean ao invejar seu amigo dizendo: “É bom ter uma família”. Ora, neste momento podemos esboçar uma resposta à principal busca dos personagens: suas famílias são o verdadeiro lar – mesmo que imperfeitas e um tanto frias.
Não somente lar, mas também o resultado da explicação de quem somos, a família simboliza as origens de cada um, e “Na Estrada” é feliz em acrescentar ao drama de Dean sua busca pelo pai que, perdido, faz com que ele seja o único dos jovens a continuar perdido, vagando pelas estradas em busca de resposta.
A busca de respostas sobre si mesmo é simbolizada de maneira eficaz também pela constante presença do livro “No Caminho de Swann”, de Marcel Proust, que aparece como um guia, já que é um livro que simboliza a busca do significado da vida em si mesmo, tal qual “Ulisses”, de James Joyce, que também aparece brevemente no quarto de Sal.
Embora seja extremamente eficaz em mostrar o que fazia de Dean uma figura carismática, o filme falha em não explicar por que ele era tão desprendido das coisas, ou melhor, tão egoísta a ponto de abandonar amigos e amantes sem qualquer consideração por seus sentimentos.
Auxiliado pelas variadas paisagens ao longo da trajetória do filme e do livro, e com fotografia e trilha sonora que se encaixam perfeitamente na narrativa, Salles consegue mais um road movie que retrata um povo, personagens complexos e a essência da busca por si mesmo através da viagem para fora, para o outro. Ele já havia conseguido isso em “Central do Brasil” e “Diários de Motocicleta” – e é curioso como ele saiu de personagens fictícios em “Central” para personagens reais em “Diários”, e aqui lida com personagens fictícios-reais, já que todos os personagens são absolutamente inspirados na vida de Kerouac.
Eficiente em evocar os sentimentos e desejos da geração beat, “Na Estrada” é um filme com muitos elementos ricos que podem ser explorados à exaustão, e que faz jus à importância que o livro tem na vida de muitas pessoas. E mesmo que seja um tanto cansativo aos espectadores mais insensíveis, “Na Estrada” ainda consegue despertar a vontade de ler a obra original naqueles que ainda não tiveram a oportunidade.
Nota: 05 Claquetes