A polêmica da dublagem continua
*Já publicamos no Cinem(ação) um artigo sobre o assunto e, depois, um outro em virtude de uma decisão da TV por assinatura. O texto a seguir questiona o mesmo assunto de maneira mais forte e pode causar divergência de opinião. Respeitamos todas as maneiras de pensar e ficaremos felizes em ter sua opinião publicada em nossos comentários.
Foi publicada na última edição da revista Época uma matéria valorizando a dublagem no Brasil. A reportagem afirma que “a dublagem venceu as legendas” e, entre tantos argumentos, afirma que a “classe média” (agora é tudo culpa dela) está acostumada com filmes dublados na TV e agora invade os cinemas, aquecendo o mercado.
A revista chega ao ponto de dizer que “um filme como Os Vingadores, que tem muita violência e pouca conversa, contém 50 mil caracteres de legenda, equivalente a 30 páginas de livro. Em duas horas, é muita leitura para quem não está acostumado”. Sites especializados afirmam que a Revista Época se rendeu ao lobby das distribuidoras por filmes dublados: em outras palavras, foi “comprada”.
Conforme dito pelo comentarista de TV Bruno Carvalho, do site Ligado em Série, “o lobby da dublagem no Brasil parece ser tão grande a ponto de fazer com que uma revista que vive do hábito da leitura publique esta triste frase que não apenas tolera e justifica, como também incentiva a escolha da dublagem pelo espectador que tem preguiça de ler”. O texto do Bruno é muito esclarecedor sobre os bastidores desta reportagem e pode ser lido na íntegra clicando aqui.
A maneira tendenciosa e “marqueteira” com que a revista publicou a reportagem é quase tão vergonhosa quanto as recém-descobertas incursões políticas da sua concorrente Veja. Seu objetivo é claramente incentivar as classes A e B (seus principais leitores) a consumir o produto dublado… afinal as distribuidoras não querem ter o gasto de dividir suas cópias entre dubladas e legendadas: é muito mais fácil ter tudo dublado.
Embora não seja tão contrário à presença de filmes dublados, eu sempre defendi a existência de opção. Particularmente, assisto a pouquíssimos filmes dublados e me recuso a pagar um ingresso de cinema para ver um filme sem o áudio original.
Não vou perder tempo dissertando acerca dos problemas da dublagem. Todas estas questões foram completamente explicadas pelo crítico de cinema Pablo Villaça, e devem ser acessadas (leitura obrigatória para cinéfilos!) clicando aqui.
Minha maior preocupação quanto à dublagem de filmes, séries e produtos audiovisuais em geral, reside nos problemas ainda mais profundos que esta questão suscita.
O principal argumento dos defensores da dublagem é de que as legendas “atrapalham” o filme, e que um filme legendado exige “esforço” para ler, o que tiraria atenção do espectador para aquilo que está “na tela”. Na verdade, qualquer pessoa com hábito de leitura não reclama destes “problemas”. Aqueles que preferem filmes dublados são, na grande maioria, pessoas que não tem o hábito de ler e, consequentemente, demoram a “processar” as letras que indicam o que está sendo dito pelos atores (entendo como “hábito de ler” a prática de leitura de jornais, revistas, textos com dificuldade moderada – site de fofoca não vale – e ao menos um livro de no mínimo 150 páginas por mês).
Acredito que o hábito de ler é crucial para o desenvolvimento de uma sociedade justa e igualitária, visto que a mobilidade social e o desenvolvimento intelectual tem em sua base o estudo e, consequentemente, a prática da leitura. O argumento da revista Época é reducionista e elitista: ele não encara as legendas como uma das práticas de leitura que possam estar presentes na vida de um cidadão, mas parece admitir que “muita leitura” precisa ser evitada, afinal pessoas que não praticam a leitura devem permanecer ignorantes e desinteressadas.
A “culpa” desta invasão de filmes dublados é dada à Classe C, que apenas aumentou no país (em população) e adquiriu nos últimos anos um poder de compra maior: se antes assistia filmes apenas na TV aberta, agora vai ao cinema com frequência e assiste a TV por assinatura. Mas deveriam culpar a educação pública brasileira, que embora tenha bons profissionais, vive com escassez de recursos e promove uma educação medíocre (pra não dizer ruim) à maioria da população, já carente de tantos outros recursos.
A maioria do público prefere filmes dublados porque está acostumada à preguiça intelectual e à falta de leitura ou quaisquer outros hábitos que exercitam a mente. Ao ser corroborada por uma revista bem conceituada e de alta circulação, a prática de assistir filmes dublados passa a afetar ainda mais a maneira de se consumir cinema.
Antes de discutir se é “melhor” assistir a filmes dublados ou legendados, precisamos nos perguntar: Por que prefere-se filmes dublados? Será que não precisamos ler um pouco mais e melhor? Estamos agindo em detrimento da arte por pura preguiça intelectual?
Os filmes devem continuar a ser dublados. A dublagem brasileira é muito boa. A opção de filmes dublados e legendados deve esixtir para todos. Mas quando a maioria de uma população tem “preguiça de ler”, é porque há algo de muito errado na educação do país.