Crítica: Cavalo de Guerra
Antes de qualquer coisa, é necessário entender que o personagem principal do filme “Cavalo de Guerra” é justamente o personagem título. Não que o garoto Albert Narracott (o novato Jeremy Irvine, convincente mas fraquinho) seja coadjuvante, mas tudo é visto muito mais pelo ponto de vista do animal que do menino.
“Cavalo de Guerra” é uma jornada em busca do reencontro, na qual a sorte é a principal aliada, e as situações clichês são constantes.
Aos que querem ver belas cenas de paisagens, fotografia impecável e ótima qualidade técnica de imagem, o filme é praticamente perfeito (nunca imaginei ser tão bonito ver a terra sendo arada por um equipamento antigo). Especialmente nos minutos finais, quando reencontros ao pôr-do-sol são exibidos com muita sensibilidade, a qualidade da imagem é impressionante.
Por falar em “fim”, são justamente os últimos minutos de “Cavalo de Guerra” que causam algum tipo de emoção e formam cenas agradáveis de assistir, como o reencontro do jovem de olhos tapados com o animal após tanto tempo. Todos os 130 minutos iniciais (90% do filme) são uma sucessão de clichês, exageros e elementos politicamente corretos.
O filme é longo, extenso e cansativo principalmente porque o diretor Steven Spielberg (de quem sempre se espera coisa boa, mesmo que nem sempre venha) quer contar tudo, explicar tudo e emocionar a todos. Mas como diria minha bisavó: “quem tudo quer nada tem”.
O filme começa na Irlanda com o relacionamento entre o menino pobre e o cavalo. Fica difícil de entender se ela já o conhecera antes ou se seu pai simplesmente se encantou com algo extraordinário visto no animal durante um leilão. Em poucos minutos de projeção, somos obrigados a ver cenas desconcertantes de um garoto implorando pela piedade do proprietário das terras em que vive, e logo depois o mesmo proprietário insistindo em deixá-lo “para baixo”, ao mesmo tempo em que o menino e seu cavalo provam que “são fortes” e “não desistem” diante de uma platéia que surge repentinamente para assistir a uma tentativa de arar o solo (aliás, grupos de pessoas assistindo a momentos emotivos se repetem em diversos momentos). Tudo isso com uma trilha sonora insistente, sobreposta ao som do filme e absurdamente clichê (John Williams já esteve em melhor forma).
A partir de então, Steven Spielberg vai fazer as maiores loucuras na vã tentativa de arrancar lágrimas dos espectadores. Mas esquece que cenas emotivas e situações de separação não adiantam em nada se as explicações e relações entre personagens soarem tão artificiais. O garoto tem um amigo ruivo que serve de “alívio cômico” (é medroso e lembra muito o Rony Weasley dos filmes do Harry Potter), tal qual o “ganso” que ataca as visitas da fazenda. Em alguns momentos, parecia que o ganso ou os cavalos começariam a conversar entre si, e que um porquinho atrapalhado invadiria o cenário. O encontro do cavalo Joey, o personagem título, com seu amigo (ou amiga?) por pouco não soa como uma dessas “comédias” de animais que falam.
Os cavalos (Joey e o outro) vão à guerra (como se espera), acompanhando o exército irlandês, sendo capturados por alemães (que falam em inglês entre eles), e depois serão cuidados por uma menina francesa e seu avô (que também falam em inglês entre si), para mais tarde cair nas mãos do malvado exército alemão novamente, em um período de alguns anos mostrados de maneira totalmente episódica. É incrível como o cavalo tem a sorte de miraculosamente encontrar as “únicas” pessoas boas e bem intencionadas dos exércitos e das regiões afetadas pela guerra.
Nesse período, além de conversas quase tão clichês quanto às de novelas mexicanas, pouco podemos ver da vida de Albert. O surgimento de outros personagens durante a “jornada” do cavalo não permite que o espectador se envolva às rápidas tramas paralelas cuspidas em breves diálogos, embora a trama dos irmãos alemães seja minimamente envolvente.
Apesar de algumas belas e inspiradas cenas de guerra, fronts de batalhas e preparação de guerra, Spielberg não derrama uma gota de sangue. Com o objetivo de fazer um filme “para toda a família”, acabou criando uma espécie de mistura de “O Resgate do Soldado Ryan” com “As Crônicas de Nárnia”. O “politicamente correto” cria ainda mais clichês, como o cavalo carregando o militar que, após o corte, desaparece, deixando o animal correndo sozinho. Tudo sempre ao som exagerado da trilha sonora repetitiva.
Spielberg tenta tirar lágrimas e emoção do público, mas não tem muito êxito. Ao mesmo tempo, tenta denunciar a matança de cavalos na Primeira Guerra, mas é mais fácil que descubramos isso lendo alguma reportagem sobre o filme do que assistindo-o. Quando a história parece ter chegado ao fim, ele tem mais a mostrar, e acaba cansando o público.
Em determinado momento do filme, um homem diz a respeito do cavalo: “ele não é um cachorro”. Talvez isso seja uma das frases mais icônicas do filme. As pessoas gostam de cães, talvez de gatos, mas não se incomodam tanto com cavalos, por mais belos que sejam estes animais. Se não há ligação do público com outro personagem humano (algo fraco em “Cavalo de Guerra”), fica difícil causar emoção. E com a insistência de Spielberg por parecer grandioso e eloqüente a todo momento, tudo fica ainda mais artificial.
Enquanto isso, eu ainda tento entender o que de fato o tal cavalo tinha de tão especial para ser considerado tão belo e miraculoso. Faltou explicar isso.