Crítica: Rebel Ridge
Rebel Ridge, dirigido por Jeremy Saulnier, surge como uma tentativa de revitalizar o gênero de ação, cada vez mais saturado por produções que priorizam quantidade de cenas explosivas em detrimento de profundidade narrativa. Saulnier, que já havia mostrado seu talento em obras como Sala Verde (2015) e Noite de Lobos (2018), traz ao público um filme que não se limita ao “tiro, porrada e bomba”, mas explora a violência de maneira a criar camadas de tensão e emoção, buscando um equilíbrio raro entre ação visceral e reflexão crítica. Com uma produção marcada por atrasos, incluindo a saída de John Boyega, substituído por Aaron Pierre, o longa conseguiu manter sua essência graças à visão assertiva de seu diretor.
No centro da trama, acompanhamos Terry Richmond (Aaron Pierre), um ex-fuzileiro naval que chega a Shelby Springs, uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos, com um objetivo simples: pagar a fiança de seu primo, que está prestes a ser transferido para uma penitenciária. Contudo, logo ao chegar, Terry é alvo de um grupo de policiais corruptos que roubam o dinheiro que carregava. A partir daí, o filme entra em um ciclo de abuso e resistência, no qual Terry tenta de todas as formas recuperar a quantia mínima para evitar a transferência do primo. A premissa de um herói que enfrenta forças opressoras em um ambiente hostil remete diretamente ao clássico Rambo – Programado para Matar, mas Saulnier adiciona um toque pessoal, subvertendo expectativas ao longo da narrativa.
Um dos maiores méritos de Rebel Ridge é como ele constrói a atmosfera de tensão. Saulnier é um mestre em criar um ambiente opressivo, onde o silêncio e a violência coexistem, aumentando a sensação de claustrofobia. Ao contrário de muitos filmes de ação contemporâneos que se rendem à estética dos cortes rápidos e dos longos planos-sequência artificiais, Saulnier escolhe uma abordagem mais pausada. Cada cena é cuidadosamente elaborada, permitindo que o público sinta a pressão crescente em torno de Terry, que se vê sem alternativas diante da corrupção desenfreada liderada pelo Chefe de Polícia Sandy Burnne (vivido de forma brilhante por Don Johnson).
Aaron Pierre, no papel de Terry, traz uma intensidade silenciosa que contrasta com a brutalidade dos acontecimentos. Ele não é um protagonista que grita ou explode em cenas de raiva; sua força está em sua contenção, em olhares carregados de dor e indignação. Essa atuação diferenciada confere profundidade a um personagem que poderia facilmente cair na armadilha do “super-herói indestrutível”. Pierre transforma Terry em alguém vulnerável, mas determinado, um homem que percebe que a única forma de resistir é enfrentando o sistema que o oprime.
A trama de Rebel Ridge também merece destaque pela forma como explora temas sociais e políticos. A corrupção policial é o eixo central da narrativa, mas o roteiro de Saulnier não se limita a isso. O filme toca em questões como o abuso de poder e a desigualdade socioeconômica, trazendo um olhar crítico sobre as estruturas que permitem que essas injustiças persistam. A escolha de situar a história em uma cidade pequena não é à toa: Saulnier busca explorar as dinâmicas locais de poder, onde figuras como Sandy Burnne exercem controle absoluto sobre a população. O uso da música do Iron Maiden na abertura é um indício do tom subversivo que permeia a obra, desafiando as convenções do gênero.
A parceria entre Terry e Summer McBride (interpretada por AnnaSophia Robb), uma estudante de direito que se envolve na luta contra a corrupção, adiciona uma camada extra à história. Summer traz uma perspectiva de quem está em busca de justiça dentro dos parâmetros legais, enquanto Terry, empurrado ao limite, percebe que a única saída é a resistência violenta. Essa dinâmica entre os dois é bem construída e serve para tensionar ainda mais a narrativa, colocando em jogo questões sobre moralidade e os limites da ação justa.
Do ponto de vista técnico, Rebel Ridge impressiona pela cinematografia, que utiliza luz natural e sombras para criar uma atmosfera de constante ameaça. A paleta de cores, predominantemente sombria, reforça o tom melancólico do filme, enquanto os enquadramentos exploram a relação de Terry com os ambientes hostis em que se encontra. Saulnier evita o excesso de efeitos especiais, preferindo uma abordagem mais realista nas cenas de ação, o que contribui para a sensação de imersão. As lutas são brutais e diretas, mas sem a pirotecnia desnecessária que marca muitos filmes do gênero.
É interessante observar como Rebel Ridge se afasta da fórmula do “herói invencível” e opta por uma abordagem mais humana. Terry não é indestrutível; ele sofre, apanha, hesita. E é exatamente essa vulnerabilidade que faz com que o público se conecte com sua jornada. As cenas de confronto com Sandy e seus capangas são tensas e imprevisíveis, com Saulnier conduzindo a narrativa de forma a criar reviravoltas que mantêm o espectador envolvido. O desfecho do filme, que quebra com as expectativas tradicionais do gênero, é um exemplo da coragem de Saulnier em não se render ao caminho fácil, entregando um final que, embora possa desagradar alguns, é coerente com a proposta da obra.
Rebel Ridge não pretende ser um filme revolucionário, mas se destaca em um cenário em que as produções de ação parecem cada vez mais genéricas e previsíveis. Jeremy Saulnier mostra que é possível entregar um filme que, ao mesmo tempo, entretém e faz pensar, usando a ação como um meio para explorar as contradições da sociedade e as injustiças que continuam a se perpetuar. Em uma época em que a Guerra do Streaming pressiona por conteúdos que sejam rápidos e descartáveis, Rebel Ridge é um lembrete de que o cinema de ação pode ser inteligente, crítico e, acima de tudo, relevante.
Para quem busca uma experiência que vá além do superficial e que seja capaz de equilibrar ação e narrativa com competência, Rebel Ridge é uma escolha certeira. O filme não só reafirma o talento de Jeremy Saulnier como um dos cineastas mais interessantes de sua geração, mas também reforça a importância de se contar histórias que desafiem o público a pensar e sentir de forma mais profunda.