Por menos “finais felizes” - Cinem(ação) - artigo - opinião
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Por menos “finais felizes”

Na vida, tudo o que queremos é um “final feliz”. O casamento com a pessoa amada para alguns, viagens intermináveis para outros. Para quase todos, certamente ela inclui dinheiro no bolso e tranquilidade. No entanto, é tudo ilusão: a vida sempre continua, e seu único final possível é um corpo frio e sem pulsação estendido em um necrotério.

Nas narrativas, no entanto, os finais existem. E eles podem ser felizes, tristes, ou ocupar algum ponto entre os dois extremos.

No filme “Soul”, última adaptação lançada pela Pixar, temos um final feliz. No podcast 401, comentamos como o final seria mais impactante se não fosse tão feliz para o protagonista. Particularmente, enxergo esse final feliz da animação como um tipo de covardia, já que as pessoas tendem a relacionar um filme ao sentimento gerado no final. Assim, a produtora não quis entregar ao seu público algo que fosse mais arriscado. Ademais, vale sempre destacar que o final feliz é mais confortável e satisfaz nosso desejo natural de evitar dores ou incômodos.

Não acredito que um filme seja melhor ou pior por ter um final feliz, mas creio que a escolha de como ele acaba deve corresponder ao que a narrativa pede.

Foi pensando nisso que me questionei sobre o final feliz de outro filme.

Comentando “Para Todos os Garotos: Agora e Para Sempre” (com spoilers)

Sim, eu assisti ao fechamento desta trilogia adolescente da Netflix. Depois de ver os dois primeiros capítulos, urgiu-me o desejo em saber como terminaria a árdua jornada de Lara Jean Covey e Peter Kavinsky.

E qual foi a decepção.

Não que eu esperasse algo extraordinário proveniente desta franquia. No entanto, há algumas questões que preciso considerar ao pensar no final feliz deste filme.

O único conflito de toda a história está na escolha da protagonista em relação à faculdade que irá fazer, já que ela não foi aprovada na mesma universidade que o namorado – e ainda sente que a melhor instituição para ir é a mais longínqua. Conflito típico de uma adolescente privilegiada, diga-se de passagem (as universidades americanas custam, em média, 5 mil dólares – ou 25 mil reais – por mês).

De resto, “Para Todos os Garotos: Agora e Para Sempre” é uma “lenga-lenga”: uma série de acontecimentos que não trazem grandes percalços à vida da adolescente, incluindo um namorado que é tão perfeito a ponto de ter como único drama a dor de um pai ausente (ou seja: a culpa do “defeito” nem é dele).

Mas qual é o final feliz de “Para Todos os Garotos: Agora e Para Sempre”?

É simples: o casal realmente continuará o relacionamento, mesmo com os 5 mil quilômetros que vão separá-los durante a fase mais intensa e de maiores transformações da vida: a faculdade.

Isso tudo depois de uma trama que está justamente questionando o quanto o relacionamento dos dois está “fadado a terminar”.

É claro que qualquer um mais maduro pode argumentar que “provavelmente eles vão terminar um dia”. Mas a questão está justamente na ilusão que o final feliz cria no público-alvo, os adolescentes, que são justamente quem pode viver um drama semelhante nos próximos anos.

Temos, portanto, dois pontos a pensar: a mensagem do filme e a construção narrativa.

Do ponto de vista da construção narrativa, o roteiro está constantemente reforçando as possibilidades que a universidade traz, e fazendo Lara Jean enfrentar o medo de ver seu relacionamento “perfeito” acabar. No fim, é como se ela não aprendesse muita coisa: ainda que não permita que o relacionamento atrapalhe em suas decisões individuais, falta um aprendizado que tornaria a mensagem do filme – o segundo ponto – muito mais impactante: a ideia de que um relacionamento não deixa de ser bonito por chegar ao fim, ou de que a vida é feita de ciclos, e tudo o que teremos serão ótimas memórias.

É claro que existem casais que se conhecem no Ensino Médio e continuam juntos por toda a vida. Mas são a minoria. E um filme voltado para adolescentes, em pleno século XXI, deveria se atentar a isso e discutir o quanto se deve aproveitar as coisas da vida antes que as coisas passem, em vez de transmitir uma mensagem tão irreal.

O aprendizado não vem do conforto (com spoiler de Soul)

Quanto mais impactante é o final de uma narrativa, mais ela se destaca. E mesmo que um filme não precise necessariamente passar uma mensagem específica para ser bom, o fato é que a maioria deles acaba fazendo isso quando tem personagens em uma jornada de crescimento e aprendizado.

Desta forma, tanto “Soul” quanto o terceiro capítulo de “Para Todos os Garotos” teriam muito mais impacto se o final não fosse tão feliz.

Imagine como seria se Joe Gardner, na animação da Pixar, não voltasse para o mundo dos vivos e percebesse o quanto já tinha aproveitado a vida antes. Imagine como seria se Lara Jean se desse conta de que seu romance no colégio foi maravilhoso, mas os novos aprendizados que a esperam em Nova York não combinam com um relacionamento. Estaria tudo bem, porque a vida real é feita de ciclos que só são possíveis quando aprendemos a perder.

Não é preciso que um final profundamente doloroso para que ele não seja feliz. Mas um final otimista e reflexivo, que aponte que a vida não é um conto de fadas, certamente tornaria muitos filmes mais memoráveis. É o caso do também recente “O Som do Silêncio”: no filme, o desejo do protagonista não é realizado após um resultado inesperado, mas o espectador termina o filme com a sensação de que o destino do personagem não será ruim.

Ao que me parece, no entanto, a maioria das pessoas quer o conforto ilusório dos contos de fadas: “e viveram felizes para sempre”.

Sound of Metal - O Som do Silêncio - Prime Video

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