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Cinema e algo mais

Cinema e táxi: nunca mais?

Um artigo no The New York Times (traduzido para Estadão) retrata a triste realidade dos táxis de Londres. Antes um símbolo da cidade junto com as cabines telefônicas e os ônibus de dois andares, hoje os táxis pretos são ameaçados pelo baixíssimo fluxo de pessoas na pandemia e os dois períodos de lockdown na capital inglesa em 2020. A existência de serviços como o Uber certamente não facilita. O líder da associação dos taxistas argumenta com certo saudosismo que os ônibus da cidade não são mais vermelhos e as cabines telefônicas não existem mais.

Enquanto eu lia sobre isso, pensei com meus botões: oras, o mundo muda, tudo muda com o tempo, e certamente as próximas gerações não sentirão muita falta desses táxis ou se lembrarão de tempos em que os telefones celulares não existiam.

Logo após ler essa reportagem, comecei a refletir sobre como escreveria sobre as recentes notícias de que a Warner Bros lançaria seus próximos filmes concomitantemente nos cinemas e no streaming da HBO Max (o formato híbrido de lançamento). A decisão vale para os filmes lançados em 2021 (que incluem de Duna e Matrix 4 a Tom & Jerry: O Filme), mas é claro que se houver retorno financeiro, a decisão será definitiva.

Mudanças rápidas, indústrias bilionárias

Que as pessoas veem mais filmes em casa nós já estamos fartos de saber. E assim como já havíamos previsto antes, a pandemia do novo (velho?) coronavírus acelerou processos que já estavam encaminhados.

Eis que, com o anúncio da Warner Bros, voltou o debate sobre o futuro do cinema. Não da produção de filmes, mas da sala de cinema, mesmo.

Enquanto muita gente se restringe a discutir a diferença entre ver um filme no cinema e assisti-lo em casa, incluindo os preços dos ingressos, o fato é que a Warner dá indícios de um novo modelo de negócios. Mais do que apenas querer assinantes para a HBO Max (que até hoje é um serviço confuso por se misturar à HBO Go e outros streamings do canal), a gigante do mercado visa se consolidar na luta com os gigantes Netflix e Disney+. A “pequena” diferença entre eles é que a Warner pertence à AT&T, e a gigante das telecomunicações não vai economizar no lobby para conseguir um ambiente propício para os seus negócios.

Entre as tendências nos Estados Unidos está a volta das salas de cinema comandas pelos próprios estúdios. Em agosto deste ano caiu a lei antitruste do país, que impedia que os estúdios fossem donos de redes de cinema. Com a triste possibilidade de que muitos pequenos exibidores fechem as portas, a situação estará propícia: basta os estúdios comprarem os espaços e passarem a exibir somente seus próprios filmes.

Enquanto isso, com o crescimento dos serviços de streaming, saem ganhando os países que regulamentam o serviço – e o Brasil está longe disso, vide a permissão da Ancine e da Anatel para a união da AT&T com a Warner, passando por cima da Lei 12.485/2011, que justamente impedia a propriedade cruzada entre programadoras e operadoras. Tal permissão mostra o quanto o atual governo está propenso a seguir o lobby das grandes empresas estrangeiras.

Sala da Cinemateca Brasileira - Foto: Flickr (secretaria da cultura)

Um novo dia de um novo tempo (que começou)

Não é só a canção da Globo que diz isso. É o que dizem as mudanças que se projetam no horizonte. No entanto, ainda é difícil dizer como realmente será o futuro das salas de cinemas.

Será que as novas gerações não sentirão falta de ver um filme na telona, assim como os próximos londrinos sequer saberão dos táxis e cabines telefônicas? Será que “o cinema é o novo disco de vinil”, como provocou o jornalista Rodrigo Salem? Ou será que, com a vacinação e o fim da pandemia (que se aproxima, mas não virá em um passe de mágica), as pessoas voltarão a lotar salas de cinema na ânsia de compensar o tempo perdido?

É difícil responder.

Talvez as salas de cinema se tornem ainda mais escassas. Talvez encontrem modelos de negócio híbridos com teatros e outros espetáculos. Quem sabe consigam se manter com funcionamento apenas aos fins de semana, ou abram espaço para as famosas “salas VIP”, com restaurante e serviços sofisticados aliados à exibição do filme. Mesmo assim, é possível que eventualmente tenhamos “filmes-eventos” capazes de movimentar um público gigante, como foi o caso de “Vingadores: Guerra Infinita”.

Se é permitido sonhar, acredito que os cineclubes podem sair fortalecidos. Caso as salas de cinema se tornem realmente escassas, talvez algumas pessoas passem a frequentar exibições de filmes raros em espaços culturais.

Com achismos ou não, o fato indiscutível é que o consumo de audiovisual está se tornando majoritariamente sob demanda, em casa, preferencialmente mediante assinatura. E não tem saudosismo que mude isso.

O que nos resta é lutar para que haja regras que impeçam as grandes empresas de dominar o mercado, lucrando em cima do sucateamento dos direitos trabalhistas ou minando as oportunidades dos profissionais da base da indústria.

Quem sabe assim as alegrias serão (realmente) de todos. Já que o mundo muda, que mude de verdade em vez de apenas trocar companhias de táxi por startups de aplicativos.

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