Crítica: Ioiô de Iaiá - Cine PE 2020
Cine PE 2020 - Ioiô de Iaiá
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Crítica: Ioiô de Iaiá – Novo Cine PE 2020

Ficha técnica:
Direção:  Paula Braun
Roteiro:  Paula Braun
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2020 (Cine PE 2020)
Sinopse: “Ioiô de Iaiá” é um documentário que narra a relação de sete casais juntos há cerca de cinquenta anos. Num tom intimista, somos introduzidos no convívio diário destes casais e descobrimos como eles amadureceram juntos através dos anos, em relatos que rememoram os sonhos realizados, as dificuldades transpostas lado a lado e aquelas, hoje, impostas pela velhice, os medos comuns, as mudanças na forma de perceber a relação ao longo da vida e no âmbito das transformações sociais do país nas últimas décadas. Amor, lealdade e a proximidade da morte revelam os desafios e a escolha de viver lado a lado.


“Eu casei sem saber nada da Vida”. “Eu só fui me casar depois, porque eu queria terminar meu curso e me formar”. Essas declarações de duas das protagonistas de “Ioiô de Iaiá”, Documentário que abriu, junto com a ficção “Mudança”, a 24ª edição do Cine PE – Festival do Audiovisual, acontecem em sequência uma da outra, e são um exemplo das maiores qualidades do filme de Paula Braun, que explora a vida de sete casais, de lugares e realidades diferentes do Brasil, que estão juntos há cerca de 50 anos: as diferenças que vêm com contextos e realidades tão diferentes.

Ioiô de Iaiá é descrito como um “relato de tom intimista”, e é curioso como isso se manifesta. O filme nunca se adentra, de fato, na vida dos casais a um nível muito além de se como se conheceram ou de tentativas de falar sobre a vida atual e como encaram o amor, e isso acontece, especialmente – nos de realidades mais humildes -, por um desconforto em relação a verbalizar estes sentimentos e essas histórias, algo que diz muito sobre o tempo geracional em que viveram. Isso ocorre também, por serem casais que se encontram, juntos, no fim do caminho. Alguns debilitados, outros começando a demonstrar sinais de demência.

Mas a intimidade do filme de Braun reside nos pequenos momentos. Em meio a relatos muitas vezes desengonçados, é um toque, um abraço, um olhar, que carrega um peso de metade de uma vida juntos, e isso pode ser maior que qualquer relato, o que que já torna este documentário como um retrato bonito sobre o tema apenas por isso. Nessa abordagem de Braun, existe esse respeito com o espaço dos casais, e, ainda que ela tente explorar a relação dos mesmos com perguntas que os façam refletir, existe essa “fuga” – mais dos casais do que de Braun- , ao negativo, aos momentos difíceis que passaram de forma mais aprofundada.

Se o filme poderia incomodar, numa espécie de exigência recente por pautas atuais, como a falta de uma pluracidade de gênero em relação aos casais – mesmo com o casal lésbico visto aqui -, essa não parece uma crítica adequada por essa exploração ser muitas vezes direcionada justamente às diferenças que essa questão geracional trás, o que não os trata como “alienígenas” mas usa a questão do geracional como uma cápsula do tempo de um amor considerado “obsoleto”, das eras vividas, como um registro histórico.

Nesses registros existem pontos convergentes, e daí se extraem as reflexões de tempos que mudaram. Em quase todos os relatos dos casais vistos aqui, existe a questão do patriarcado, na maioria dos casais o papel do pai da mulher teve interferência no rumo desses relacionamentos, seja nos casos de proibições de ver o namorado, ou da exigência de “pedir a mão da filha” para eles. O registro histórico se estende para vários âmbitos, como o casal que teve sua história diretamente afetada pela ditadura (o que, nessas ligações temáticas do Cine PE 2020, inclusive do efeito do tempo, dialoga diretamente com o filme “Mudança”) e as dificuldades que enfrentaram nesse período tão sombrio para o Brasil.

Existe um momento, quase ao fim da projeção – mesmo nesses recortes de intimidades não verbalizadas – que parece transcender o jogo de aparências, quando um dos casais fica, junto, em silêncio após falarem sobre como nem sempre foi fácil. Ele ri, sem graça. Ela continua, debilitada, em silêncio. Ambos se levantam, com suas articulações trêmulas, dão as mãos, e andam para fora do quadro. Braun inteligentemente o retrata sem cortes, em tempo real, com toda a sua monotonicidade. Nesses momentos, onde temos um vislumbre do lado agridoce do amor, temos um turbilhão de percepções sobre a finitude da vida. E é aí que a obra de Braun cresce, nessas pausas melancólicas, além do relato verbal, que nos permite valorizar neste silêncio a história, muita vezes não dita, por trás de cada um desses amores.

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  • Nota
3

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