Crítica: Mudança - NOVO CINE PE 2020 - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Cine PE 2020 Mudança
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Crítica: Mudança – NOVO CINE PE 2020

Ficha técnica:
Direção: Fabiano de Souza
Roteiro:  Fabiano de Souza
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 2020 (Cine PE 2020 )
Sinopse: Janeiro de 1985. Enquanto o Rock in Rio invade o país e o congresso elege Tancredo Neves pelo voto indireto, Reinaldo e seu filho Caio voltam da praia para celebrar a democracia em Porto Alegre. É um dia confuso: Reinaldo espera uma promoção, mas recebe uma outra proposta. Caio quer apenas que o tempo passe, mas no balanço das horas tudo pode acontecer. O país respira mudança – ou apenas sonha com ela. Elenco: Gustavo Machado, Guili Arenzon, Rosanne Mulholland, Fernando Alves Pinto, Maria Carolina Ribeiro, Lui Strassburger, Pâmela Machado, João Pedro Prates, Nelson Diniz, Roberto Oliveira

Cine PE 2020 Mudança

Os letreiros que aparecem ao início de “Mudança”, filme que abriu, junto com o documentário “Ioiô de Iaiá”, a 24ª edição do Cine PE – Festival do Audiovisual, fornecem apenas o necessário para que entendamos o contexto no qual o terceiro filme do diretor Fabiano de Souza se passa. A informação contida nesses letreiros é a de que estamos no dia 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil pelo voto indireto. A data representou um fim simbólico da ditadura e um passo enorme em direção às eleições diretas, em direção à democracia. O dia marcava uma mudança para toda a nação, que estava em momento de festa e esperança para o futuro. Tais informações se infiltram através de detalhes no mundo ao redor de nossos personagens: cartazes na rua em segundo plano, diálogos que comentam superficialmente o que ocorre e entre zapeadas de canais de tv e mudanças de estações de rádio, que alternam entre esse “mundo adulto”, político, do sociólogo Reinaldo e as batidas agitadas dos rocks de seu filho Caio, que, de viagem com o pai à Porto Alegre – ambos longe da matriarca da família – acompanha o Rock in Rio (a primeira vez do festival no Brasil) em seu mundo adolescente, seu “mundo de moleque”.

E é justamente através da fresta desse mundo adolescente que acompanhamos muitos dos citados diálogos superficiais sobre o que se passava no país. É uma fresta literal, já que Fabiano e o diretor de fotografia Bruno Polidoro prezam por enquadrar Caio por trás de portas, nas esquinas de corredores, enquanto vê o mundo adulto “proibido” ao seu redor, seja escutando as discussões políticas de seu pai com engravatados importantes ou vendo casais fazendo sexo, uma curiosidade do garoto que se repete ao longo do filme. Assim, muitos dos momentos ou das informações não fogem da superfície para nós por que não fogem, também, para ele. Nestes planos subjetivos, Caio é relegado, como nós, ao papel do espectador.

O contexto histórico do país fica em segundo plano, também, porque “Mudança” está mais interessado nos efeitos que esses eventos causam em seus protagonistas, e o longa é no fundo uma história de amadurecimento. Se a maioria dos contos desse tipo, de “coming of age” são associados ao crescimento do adolescente, é interessante notar como esse significado se estende aqui para o pai, e, se levarmos a expressão ao sentido literal, o da “mudança de era”, é feita a ligação com as mutações decorrentes daquele Brasil engatinhando para fora da ditadura. O “mundo adulto” não deixa de surpreender nem mesmo Reinaldo, idealista, sensível, poeta que, após uma oportunidade de trabalho no gabinete de outro candidato político, tem seus ideais tão puros e a promessa de uma realidade nova para o país confrontados quase que imediatamente pelas engrenagens teimosas de um mundo velho (ou que deveria ser encarado como velho). “Na ditadura você era a favor da ditadura, e na democracia você é a favor da democracia”, ironiza Reinaldo para o “candidato do povo” em determinado momento.

Novo Cine PE 2020 Mudança

Acompanhamos então pai e filho lidando com estes questionamentos e sentimentos tão confusos que vêm com tais mudanças. No filho, as descobertas sexuais e das drogas; no pai…o crescimento profissional distante do que idealizava, e a luta interna que isso carrega, mas também com um possível caso amoroso justamente com a filha de seu possível chefe.

Estes conflitos e descobertas de um mundo em mutação para ambos – no decorrer deste único dia – atingem estado de ebulição com a chegada da noite, quando o pai vai para uma festa política e o filho parte ao encontro de um romance sem que o pai saiba, e é como se os papeis de ambos se invertessem, se confundissem e por fim se unissem. As diferenças tonais no texto se empilharam ao decorrer do filme, com os diálogos de tom alegóricos e discussões do “mundo de Reinaldo” que pareciam alcançar um tom de prosa, que soava teatral e contrapunha as cenas de Caio e suas relações de cunho realista, causando uma estranheza. Mas quando a noite chega, de repente o mundo adulto de Reinaldo, cortejando a filha de seu chefe, soa adolescente, infantil, completo com o momento onde o pai canta “Era só uma menina”, da banda Paralamas do Sucesso, enquanto o disco tende a riscar e cortar o momento. O filho brinca de adulto e o pai brinca de criança.

No fim, ao pai, resta apenas o conforto na esposa, ausente durante a projeção inteira mas voltando no fim como um pedaço de segurança num mundo agora tão incerto para ele. Ao filho, resta descobrir o suposto novo mundo que, como recorrente na projeção, paira em segundo plano, com o cartaz escrito “Brasil: o país do futuro”.

E fazê-lo, como tantas vezes ao decorrer do filme, de longe, um espectador, vendo, das promessas e incertezas de seu futuro, o presente se distanciando em direção ao passado.

Confira nossa cobertura do Cine PE

  • Nota
4

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