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Simplificando Cinema

Por que devemos investir em políticas públicas para cinema?

Essa é uma pergunta que não deveria causar estranheza, no entanto, quando falamos da importância do financiamento público para cinema no Brasil, somos rechaçados por uma maioria que confia fielmente que o destino dos impostos é somente o audiovisual.

Para entendermos o peso que isso tem para um país, precisamos voltar bastante no tempo e nos lembrar da relação que os próprios irmãos Lumière tinham com o cinema.

Os franceses são frequentemente mencionados como os pais do cinema que conhecemos, afinal eles inventaram o cinematógrafo, e com George Méliès e Alice Guy-Blaché, transformaram a sétima arte e nos deram os caminhos possíveis.

No entanto, você deve estar se perguntando o que isso tem a ver com financiamento público, certo? E eu te respondo que tudo. Quando os irmãos Lumière inventaram esse artefato, nem eles confiaram que aquilo faria sucesso e transformaria o mundo. Para eles eram mais um aparelho que entraria em desuso.

A descrença dos irmãos sobre sua invenção nos diz muito a respeito do que a sociedade em geral ainda segue pensando sobre a importância de fazer cinema. Embora a França, país de origem dos Lumière, seja referência em políticas públicas para a atividade, ela ainda não é levada a sério em outros lugares pelo mundo.

Um dos maiores problemas é a rejeição do apoio estatal. De alguma maneira é mais fácil desenvolver um pensamento errôneo de que o financiamento privado conseguiria bancar todo um setor industrial — sim, cinema precisa ser entendido como uma indústria.

Receber o apoio privado é bom e já fazemos isso com a tão surrada Lei Rouanet. Embora seja sempre alvo de polêmicas, ela dá imensos benefícios para as empresas que investem em projetos culturais. Já pensou como seria bom pagar menos Imposto de Renda? Esse é o benefício dessa política.

Encarada por uns como privilégio, a verdade é que o mecanismo é replicado em vários países além do nosso, principalmente na Europa e na Coreia do Sul, que se tornou popular com seu cinema graças aos investimentos públicos.

Atualmente, políticas públicas fortes serão o verdadeiro norte possível para a sobrevivência da indústria no futuro. Com a crise econômica causada pela pandemia do Covid-19, poucas serão as empresas que poderão se dar ao luxo de investir capital em filmes, pois novamente vamos lidar com a descrença encarada desde os irmãos Lumière.

Entretanto, ainda que alguns muitos não confiem no poder público para a cultura, o audiovisual continua sendo a indústria do futuro. Países que já entenderam isso colhem seus frutos com os impactos de novos modelos de mercado que funcionam com base em intensas regulações, principalmente o próprio Estados Unidos da América.

Não consigo citar de cabeça e nem iniciar uma pesquisa na internet de um país que tenha tido sucesso com sua indústria cinematográfica em um ambiente exclusivamente privado, esse caminho realmente não é possível de ser vitorioso.

Isso porque, ao investir em política pública, você não apenas permite que a cultura do seu país seja replicada e faça parte da educação, como também obtém um retorno na forma de impostos para uma cidade ou Estado — se os investimentos não são repassados para o bem-estar social, então aí a culpa é muito mais de políticos do que o trabalhador da cultura.

Só no Brasil, a cada R$ 1,00 investido em editais de apoio à produção cultural, voltam R$ 2,09 para a economia, em uma conta que somente inclui a arrecadação de bilheteria dos cinemas abertos por outra política pública chamada Lei do Audiovisual — que na Coreia já deu um Oscar ao país.

Cena de gravação do filme Hoje - Tata Amaral dirigindo César Troncoso e Denise Fraga

Além de estimular o exercício da memória e ser uma fonte poderosa de críticas sociopolíticas, o cinema também estimula a produção de diversas outras indústrias, coisa que com financiamento privado restringiria esse poder na mão de pouquíssimas pessoas e seria totalmente antidemocrático.

Mesmo que se tenha o apoio de grandes empresas na realização de diversos filmes e séries de televisão, devemos estimular o financiamento e a regulação de mercado pelo viés público, pois é ele que irá salvaguardar essas mesmas empresas de continuarem investindo no nosso produto.

Cases de sucesso não faltam e eles estão bem próximos do seu acesso hoje em dia na plataforma de streaming mais próxima a você.

Sendo assim, devemos investir em políticas públicas para o cinema porque o seu retorno gera um imenso impacto no PIB Nacional. Se para o Brasil, essa conta já fecha em bilhões, imagina para os Estados Unidos, que preserva sua cota de tela desde o início da sua indústria cinematográfica?

Os irmãos Lumière chegaram a viver para acompanhar alguns avanços do cinema e comprovaram que estavam errados em sua análise sobre o sucesso e a duração do cinematógrafo, principalmente no que diz respeito a sua evolução. Ainda assim, se hoje ainda estivessem vivos, sua empresa só poderia continuar de pé se obtivesse apoios e incentivos a partir das políticas públicas francesas, e sem dúvida alguma seriam eles seus grandes investidores.

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