Oscar de Melhor Som: misturar Mixagem e Edição é bom ou ruim?
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Oscar de Melhor Som: misturar Mixagem e Edição é bom ou ruim?

Ao anunciar novas regras da premiação do Oscar, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas fez mais do que adaptar seu prêmio para as rápidas mudanças causadas pela pandemia do Coronavírus: ela também procurou atualizar algumas regras. Além de avisar que este será o último ano com distribuição de DVDs dos filmes concorrentes para que os votantes assistam (depois disso, só será possível via acesso a plataformas online), a Academia também decidiu unir as categorias de Edição e Mixagem de Som em uma só. A partir de agora, haverá apenas a categoria de “Som”.

Mas será que isso é uma boa ideia?

Há quem acredite que essa junção das categorias é positiva, e há quem acredite que isso é negativo. Os que gostam da ideia argumentam que há uma mistura nas habilidades de edição e mixagem de tal forma que não há mais como separar. Por outro lado, como as premiações são feitas para que o público reconheça os profissionais, é possível que essa mistura faça as pessoas passarem a dar ainda menos importância para essa parte do filme – que é fundamental, ainda que despercebida.

A Academia, em seu anúncio das mudanças de regras, declarou que as duas categorias de som foram combinadas, mas que o número de estatuetas a serem distribuídas será o mesmo de antes: uma para quem ocupa a função de “production sound mixer”, duas para os “supervising sound editors” e três para os “rerecording mixers”.

 Portanto, vamos analisar alguns fatores e refletir sobre isso.

A visão positiva da união dos prêmios

A primeira coisa que precisamos compreender é que, de fato, edição e mixagem de som não são a mesma coisa. Conforme o repórter da IndieWire Chris O’Falt lembra em seu artigo sobre o assunto, os Editores de Som possuem o próprio sindicato, que realiza seu próprio prêmio, o “Golden Reels”, que inclui categorias como “Melhor Diálogo/ADR”, “Melhores Efeitos Sonoros/Foley”, e “Melhor Trilha Incidental” (Music Underscore, em inglês). Enquanto isso, o sindicato Cinema Audio Society reúne os profissionais de mixagem, e conta com as seguintes categorias de prêmios em sua premiação anual: Mixagem, Produção, Regravação, Diálogos, Registros, ADR e Mixagem de foley.

O’Falt também alega em seu artigo que a separação entre mixagem e edição vem da era “pré-digital”, e que ainda que sejam trabalhos diferentes, eles se confundem cada vez mais nas equipes de som. “Hoje, edição e mixagem de som se sobrepuseram a ponto de fazer o mais esperto dos ‘audiófilos’ se confundir a respeito do que é contribuição de cada uma das etapas”, explica. Mais do que a sobreposição das etapas, o artigo alega que o mais exato seria dizer que as tarefas estão unificadas e unidas de maneira cada vez mais sofisticada. “Os maiores sound designers e sound artisans cada vez mais precisam de habilidades combinadas e incorporam tanto a mixagem quanto a edição em seus trabalhos diários”.

Por fim, há o argumento de que os indicados do Oscar foram quase sempre os mesmos: em 11 dos últimos 14 anos, quatro de cada um dos cinco indicados nas categorias estavam presentes em ambas. Nesse período, em oito edições da premiação houve um único filme vencedor nas duas categorias. “Quando os vencedores são diferentes, eles caem em distinções absurdas: armas (edição de som) contra música (mixagem de som). Cartas Para Iwo Jima contra Dreamgirls em 2006, Skyfall e A Hora Mais Escura (empatados) contra Os Miseráveis em 2012, e Sniper Americano contra Whiplash em 2014. Não é lá um princípio sofisticado sobre as diferenças entre mixagem e edição. Na verdade, é a redução de uma habilidade que tem se tornado cada vez mais complexa”, completa o autor do texto.

A visão negativa de se premiar apenas uma categoria de som

Para entender melhor o lado negativo disso, conversei com o Gustavo Reinecken, editor de vídeo e áudio em Vancouver – e apoiador do Cinem(ação). Segundo ele, não é uma boa ideia unificar categorias, ainda que premiações sejam problemáticas por elencarem a arte entre um suposto melhor e um suposto pior.

Além disso, Reinecken aponta que as pessoas em geral não se importam muito com o som. “A esmagadora maioria dos podcasts americanos tem áudio ruim e ninguém se importa. Tem muito vídeo fazendo sucesso na internet com áudio horroroso”, exemplifica. Baseado no que ele diz, é possível compreender que a mescla das categorias em uma só foi aplicada justamente porque as pessoas pouco se importam com isso. “Eu não fiquei triste ou indignado [com a mudança do Oscar] porque a categoria já não importava mais. Eu só acho que a gente anda um passo atrás”, lamenta.

Ao explicar sobre essa questão complexa entre o áudio e o cinema, Reinecken destaca como muitos profissionais de áudio não estão ligados totalmente ao cinema. “O áudio é uma coisa secundária no cinema. Quem estuda áudio no cinema nem estuda cinema. As pessoas que têm formação técnica para áudio de cinema não vieram de faculdade de cinema: eles vieram de faculdades de áudio, engenharia de som, da música”.

É por isso que, segundo ele, na prática da produção de grandes filmes, as grandes produtoras geralmente sequer têm um departamento de áudio atrelado: geralmente são empresas diferentes que fazem o trabalho de som.

Ao opinar sobre a união das categorias, Reinecken destaca a importância do Oscar para o mercado e o público, e relaciona isso com o ponto negativo do que foi feito.

Quem ganha na categoria passa a ter muita exposição. “Facilita para ganhar dinheiro, facilita pedir mais produto, pedir mais dinheiro e fazer outros filmes de novo”. Mesmo assim, é importante compreendermos que o Oscar é um prêmio para público. Ele é focado no grande público dos filmes, que torce pelos indicados preferidos ou reclama da ausência de outros. Por isso que é triste o fato de os dois tipos de trabalho serem emendados. “A mixagem, a edição de som, a sonoplastia, o foley… para mim, tinha que estar separando todo mundo, já que a gente tá falando de categorias técnicas”, explica Reinecken, destacando a importância do Sound Design, que nem é uma categoria. Segundo ele, no final da produção de um filme, o áudio mixado representa mais o sound design do que a mixagem. “A mixagem é essa mistura do tempo e espaço propriamente, e essa mixagem é muito além de só concatenar as informações. É muito mais uma criação de textura”, completa.

Dito isso, o editor resume que se trata de algo negativo porque poderá dar a impressão para o público de que “som” é uma coisa só. “Deveríamos estar valorizando e discutindo individualmente os trabalhos, porque quanto mais abertura para os trabalhos, melhor pra todo mundo. Quando você põe numa maçaroca só, você vai colocar o departamento de áudio num lugar só”.

Portanto, podemos concluir que a escolha da Academia é voltada mais para agradar o grande público e “simplificar” a produção cinematográfica do que ajudar na compreensão da complexidade do processo de se fazer um filme. A preocupação é comercial e voltada para a principal função da premiação do Oscar: arrecadar dinheiro para financiar as bolsas de estudo e os programas de incentivo ao cinema que a instituição promove: estes, sim, realmente importantes.

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