A PAIXÃO DE CRISTO (2004) - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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A PAIXÃO DE CRISTO (2004)

A Paixão de Cristo (2004), dirigido e roteirizado por Mel Gibson, é um dos filmes mais controversos e criticados da história do cinema, devido a demasiada quantidade de cenas de violência explícita e crueldade. Muitos afirmaram que o longa “obscureceu a mensagem de Jesus”. Porém, quero levantar duas questões, sobre o filme: A Paixão de Cristo é violência gratuita? E qual é a mensagem transmitida?

Acredito que os primeiros aspectos a serem enfatizados é: o filme é estritamente baseado no rito católico romano e Mel Gibson levou para as telonas o seu projeto mais pessoal e intimista. Ou seja, é bem provável que os elementos intrínsecos da tradição católica não tenham sido absolvidos pela crítica hollywoodiana e pelos grandes estúdios norte-americanos, que em sua maioria são judeus.

É fato, o filme acabou ficando mais restrito ao gosto do cristãos, que talvez tenham compreendido e assimilado o motivo da violência explícita. Você pode estar se perguntando: Mas era preciso vermos à exaustão Jesus sendo dilacerado? Por que não focar na suas belas palavras e boas ações? Bom, vou tentar apresentar alguns pontos pelo olhar católico (fique a vontade para discordar). Mas para isso preciso falar sobre quais elementos compõem este roteiro adaptado. 

A teologia e a tradição católica

Para transmitir maior realidade Mel Gibson junto com Benedict Fitzgerald, decidiu que todo o filme seria gravado em latim, aramaico e hebraico, línguas faladas na época de Jesus. Escrito originalmente em inglês, o texto foi traduzido para o latim pelo padre jesuíta William J. Fulco, professor da Loyola Marymount University. Ele também foi responsável por reconstruir o texto em aramaico e hebraico. A equipe ainda contou com o padre legionário John Bartunek, que auxiliou como consultor teológico. 

Seu objetivo era ser o mais fiel possível aos fatos retratados nos quatro evangelhos da bíblia, porém Gibson fez diferente de tudo o que já havia sido produzido no cinema sobre a vida de Jesus. Além dos evangelhos, os roteiristas trazem a todo momento referências sobre profecias bíblicas relacionadas ao Messias, como trechos do Gênesis, do profeta Isaías (53, 1-10), Salmos (30) e até do Apocalipse. 

Por ser católico Gibson se aprofundou em diversos relatos da Paixão feitos por santos místicos católicos. Sua fonte principal é a obra A Dolorosa Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que apresentam as visões da Bem-Aventurada alemã Anne Catherine Emmerich (1774–1824), as quais narram cenas não contidos nos Evangelhos canônicos. 

A pesquisa teológica se uniu ao outro importante elemento: as catorze estações da Via Sacra. Devoção milenar que medita as últimas horas da vida de Cristo, do julgamento ao sepultamento. Ao assistir o longa é perceptível a semelhança, como se Gibson transformasse detalhadamente a Via Sacra em filme. 

Diante desses argumentos iniciais volto a questão principal, a Paixão de Cristo é um filme com violência gratuita? Sim e não, pois é uma violência justificada, condizente com a proposta e ideia de filme que Gibson buscava. Onde quero chegar? Ao longo de sua história os católicos veneram o sacrifício da morte de cruz, que se repete em todas as missas. São séculos de aprofundamento neste sacrifício que se reproduziu na Via Sacra, em cantos, em obras de grandes artistas, escritos de místicos e santos, orações e meditações. Ou seja ao longo dos séculos de liturgia católica o sofrimento foi posto como necessário, como parte fundamental para alcançar a vitória sobre a morte. 

E aqui chegamos ao cinema. Nunca na história a via dolorosa de Cristo tinha sido retratada com tamanha realidade, e isso choca. A representação do sofrimento verdadeiro não havia sido filmado, apenas descrito. Estávamos acostumados a ver um belo homem, com alguns poucos cortes no corpo pregado em uma Cruz. Entretanto passagens bíblicas como a profecia de Isaías (53,1-10) descreve muito bem o sofrimento e tudo o que aconteceria com o Messias.

“[…]Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse. Era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos; passando por ele, tapávamos o rosto; tão desprezível era, não fazíamos caso dele. A verdade é que ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores; e nós pensávamos fosse um chagado, golpeado por Deus e humilhado! […] O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos”.

A Paixão de Cristo não obscurece a mensagem de Jesus, por outro lado, ela ressalta que o sofrimento é parte essencial para entendermos seus ensinamentos que pregavam o amor. Ele amou tanto o mundo que se entregou como vítima de holocausto, como um cordeiro indo ao matadouro.

A influência da arte renascentista 

É perceptível a influência das representações artísticas da Paixão de Cristo, como obras de Michelangelo (Pietà) e Caravaggio. A longa cena de Jesus morto nos braços de Maria, é claramente uma reprodução da famosa Pietà de Michelangelo. A cena seguinte remete a outra famosa Pietà, dessa vez de Bouguereau. 

Contudo nada seria possível sem o talento de Mel Gibson, a fotografia de Caleb Deschanel, e a trilha sonora de John Debney. Além do brilhante trabalho de direção de arte, a maquiagem extremamente realista e o belo figurino. Esses elementos foram fundamentais para quase que transportar o espectador para dois mil anos atrás, com uma riqueza de detalhes que impressiona. O ótimo trabalho rendeu três indicações ao Oscar: Melhor Fotografia, Melhor Maquiagem e Melhor Trilha Sonora.

Sem recorrer a diálogos, a Paixão de Cristo consegue fazer o espectador se aproximar ao máximo dos personagens, quase que sentindo suas dores e sofrimentos. Gibson que buscava transmitir esta história, tão conhecida, de uma maneira que não fosse preciso de legendas, chega muito perto deste resultado.

E a ausência de diálogos é um dos seus principais acertos se tratando de Maria, personagem interpretada pela romena Maia Morgenstern. Sua atuação é silenciosa, mas extremamente sensível e consegue transmitir o sofrimento sentido por ela. O que condiz com a tradição católica, em que ela é conhecida como a Virgem do Silêncio ou Virgem das Dores, aquela que permaneceu ao lado do seu Filho, suportando o sofrimento calada. 

Maia é responsável por uma das mais belas cenas do filme. Mesclando com trechos de flashbacks Maria vê seu filho caindo com sua cruz, e se lembra da infância do menino tropeçando em um degrau. A mãe no passado correr para socorrer a criança, e a cena se mistura com o presente, em que ela busca ajudar seu Jesus caído com a cruz. 

Essa utilização de de flashbacks acaba deixando o filme didático, como se buscasse fazer referência e dar significado às ações de Jesus ao longo de sua vida. A principal delas está relacionada a sequência em que Jesus é erguido na Cruz e faz uma relação com a Última Ceia. 

Curiosidades

O ator Jim Caviezel, que interpretou Jesus, contou que o processo de maquiagem durava em média 8 horas. Segundo ele, era preciso ficar curvado para a aplicação da pele. Ao longo das filmagens ele deslocou o ombro, teve hipotermia, sofreu uma infecção pulmonar e uma pneumonia. Teve um corte de 35cm nas costas, além de dores por conta das correntes, dores de cabeça severas e infecções na pele. E um dia foi atingido por um raio. 

Apesar das críticas negativas o longa-metragem fez um grande sucesso, arrecadando cerca de US$600 milhões. A Paixão de Cristo é considerado a maior bilheteria de um filme de categoria restrita, por conta da violência, na história do cinema norte-americano. 

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