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Crítica: Retrato de Uma Jovem em Chamas

Demorei pra me levantar da poltrona do cinema após o término da sessão de Retrato de uma Jovem em Chamas. Faltava ar. Claro, certamente iria faltar o ar em alguém que prendeu a respiração com as cenas do longa-metragem francês dirigido por Céline Sciamma. Demorei pra absorver tanta beleza e delicadeza contidas em uma verdadeira obra-prima do cinema. 

A história que estou me referindo nestas primeiras linhas se passa na França do século XVIII. Uma época em que seria impossível imaginar um romance entre duas mulheres. Vou tentar ao máximo evitar os spoilers.

Vamos a premissa do filme. A jovem pintora Marianne (Noémie Merlant) é contratada para realizar a difícil tarefa de pintar um retrato de Héloïse (Adèle Haenel), que está prometida em casamento a um homem italiano. Porém, Marianne é informada pela Condessa de que ela deve pintar o retrato de Heloïse sem que a jovem saiba, pois se recusou a posar, sabendo que seu quadro será enviado para o pretendente na Itália. Caso ele aprove o quadro, a jovem terá que se casar com ele. 

Tendo conhecimento das condições, Marienne passa a acompanhar Heloïse em passeios diários, observando cada detalhe de sua modelo, para poder pintar seu retrato durante a noite. No entanto, a relação entre as duas vai ganhando camadas, ambas se tornam muito íntimas uma da outra, dando início a um amor proibido fadado ao fim precoce devido às circunstâncias.  

Esqueça todas as pré-concepções de romances de época, ou pelo menos a grande maioria. Céline Sciamma, diretora e roteirista do filme, foge do convencional e ao mesmo tempo é fiel ao o que de fato aconteceria com um casal de mulheres no século XVIII que acabasse se apaixonando. O romance é intenso, mas no fundo elas sabem que não poderão ficar juntas. Elas não têm escolhas. Talvez isso seja o que torna a história mais interessante.

A narrativa é lenta, silenciosa e contemplativa. E é por meio das ótimas atuações das protagonistas e do trabalho de direção e fotografia, que o espectador consegue mergulhar nos sentimentos das personagens. O desejo e a sensualidade são transmitidas de forma delicada com planos detalhe, em cenas em que Marianne analisa as feições de sua modelo e amante. Sem diálogos expositivos a narrativa evidencia a crescente atração entre as duas por meio dos olhares, pequenos gestos e manias. Contudo, a paixão é acompanhada de uma progressiva tensão e confusão interna.

Os diálogos são pontuais e discute um pouco sobre a figura feminina da época. Tendo ciência da realidade e contexto em que a narrativa está inserida, Céline Sciamma traz um elenco completamente de mulheres, e a presença de um homem na narrativa não faz falta alguma. Pelo contrário, quando enfim nos deparamos com um personagem homem, somos levados a um sentimento de espanto e estranhamento. 

A fotografia, um dos aspectos mais importantes deste filme, aproveita ao máximo os cenários naturais criando verdadeiras pinturas a cada frame. As cores e os figurinos são cheios de significados. Marianne quase sempre usa vestidos vermelhos, já Héloïse passa dos tons em preto e azul, refletindo uma personalidade mais fechada, para o verde, a partir do momento que a relação com Marianne se torna mais íntima. Retrato de uma Jovem em Chamas é uma poesia por meio do olhar. Saí do cinema como se estivesse ido a um museu repleto de obras, ou a uma biblioteca ler um livro de poesias ou um romance proibido. 


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