“My Brilliant Career” e a Grande Chance de Judy Davis no Cinema
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Eu Cinéfilo #51: “My Brilliant Career” e a Grande Chance de Judy Davis no Cinema

Pensamentos inquietos de uma jovem mulher podiam tornar-se motivos de sérios problemas. Especialmente na virada do século XIX para o século XX. Mas este não era o caso de Sybylla Melvyn (Judy Davis). Nos momentos iniciais de “My Brilliant Career” podemos observar que Sybylla passa muito tempo sozinha, conversando consigo mesma, perdida em seus sonhos. Ela faz planos para uma vida feliz, sozinha e independente. E assim ela sonha…em seu quarto, no estábulo, ao piano, do alto de uma arvore! Seus sonhos estão longe de serem bobagens. Ela está determinada em torná-los realidade e empenha-se neles todos os dias. Seu sonho principal? Tornar-se uma escritora. Ela começa a escrever um livro – “My Brilliant Career”, cujo início tem as seguintes frases: “Esta é a história da minha carreira…Minha brilhante carreira! Eu não vou me desculpar por ser egoísta…Por que eu sou”!

Produzido por Margaret Fink e Jane Scott, o filme foi lançado em 1979 e dirigido por Gillian Armstrong, que mais tarde ficaria conhecida como uma “diretora de mulheres”(como George Cukor, no passado). Gillian dirigiu a adaptação de 1994 de “Little Women” (“Adoráveis Mulheres”), do clássico literário de Louisa May Alcott. Mas essa fama de Gillian não vem só dos filmes onde a mulher é a protagonista mas também por, assim como George Cukor, entender tão bem as mulheres e colocá-las onde elas tenham não só lugar de fala, mas como se as personagens tivessem a liberdade da fala. Se considerarmos o fato de que o livro “My Briliant Career” foi publicado em 1901 e a autora é uma mulher, percebemos logo que a história de Sybylla não é tão ficcional assim.

Uma obra feminista? Sim. Trata-se de uma mulher querendo viver por si, pensando em si e fazendo coisas para si. Franklin está diante de uma obra para mulheres não convencionais muito antes de “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir ter sido publicado, em 1949. E quando não envolve ideias de casamento, lar, filhos, então, não resta dúvidas: é um livro feminista, ousado para 1901 e não é difícil imaginar como seria uma tarde de conversa com a autora e como seria interessante trocar ideias sobre sua obra.

Nesta época ainda era incomum uma mulher autora, que não estivesse ligada a lar, marido e filhos. Pode-se notar pelo decorrer do filme que Miles Franklin tinha muito de sua criação, Sybylla Melvyn: ela escreveu sobre uma mulher que não tolera o destino que a espera. Não suporta a ideia do casamento, pois acha que vai atrapalhar a busca dela por sua carreira. Um dos detalhes evidentes é o fato de o desejo da moça em não se casar não ser respeitado. Depois de deixar bem claro para a mãe que não subiria ao altar, os parentes ricos da outra casa em que ela passa a residir insistem em casá-la. A revolta da menina vai crescendo, até que conhece Harry beecham (Sam Neil, “Jurassic Park”, 1993, dir: Steven Spielberg e “O Piano”, 1993, dir: Jane Campion) e os dois desenvolvem instantaneamente uma forte química.

Nem o amor que sente por Harry é suficiente para fazer Sybylla mudar de ideia. Mesmo porque, para ela amor não tem que ser “suficiente”. Impulsiva, menina que brinca de guerra de travesseiros, que usa um chicote ao invés das mãos pra dizer que não gostou de um beijo roubado. Trabalhadora árdua na zona rural, concorda em dar aulas de graça para as crianças a fim de pagar uma dívida de seu pai. Mesmo fora da “casa da civilização” que tanto gostava e de volta à pobre zona rural, trabalhando dia e noite como professora e mantenedora do local, nada faria morrer os planos da jovem Melvyn. Ela se tornaria, sim, uma escritora. Ou pelo menos tentaria. Este foi o primeiro trabalho de destaque no cinema da australiana Judy Davis. Nascida Judith Davis em Perth, Austrália, tratou logo de sair de sua terra natal a fim de começar seus estudos de arte dramática. Acumula quase 50 prêmios em seus mais de 40 anos de carreira cinematográfica; que incluem, além de 2 indicações ao Oscar de melhor atriz por “Passagem Para a Índia” (1984, dir: David Lean) e “Maridos e Esposas” (1992, dir: Woody Allen), prêmios Emmy, Golden Globes, AFI’s, etc. Conseguiu a façanha de conquistar o exigente público de Judy Garland por sua interpretação do ícone em “Me And My Shadows: Life With Judy Garland” (2001, dir: Robert Allan Ackerman), baseado no livro homônimo de uma das filhas de Garland – Lorna Luft. Sua vasta coleção de personagens é fascinante e inclui “Naked Lunch” (1991, dir: David Cronemberg), baseado no livro de William S. Burroughs, que flerta com Kafka, relacionando a história diretamente com os insetos. A prostituta Lou de “Winter of Our Dreams” (1981, dir: John Duigan), amiga leal, viciada em cocaína, tentando se encontrar e quem sabe sair do submundo começando uma nova vida. A mãe dedicada de um campeão de natação que sofre violência doméstica do marido alcoólatra, vivido por Geoffrey Rush em “Campeão” (2003, dir: Russell Mulcahy). Educada em um convento, Judy Davis se formou na National Institute Of Dramatic Arts (NIDA), em 1977.

Texto escrito por: Daniele Rodrigues de Moura

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