Arte: pudim, poluentes e amor. - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Arte: pudim, poluentes e amor.

A arte seria uma não necessária necessidade para nós? Fico a imaginar como seria um mundo sem arte e cultura, sem música, sem cinema, sem dança, óperas, literatura, sem poesia. Como seria o mundo? Um mundo, provavelmente, sem imaginação? Afinal, quem decide o que a arte significa?

Bom, vamos imaginar que você e um amigo entram numa galeria de arte e uma pintura marcante e chamativa te surpreende. Na tela, o vermelho vibrante e cheio de vida aparece pra você como um símbolo que representa o amor, ou mesmo, o amor literalmente. Porém, seu amigo está convencido de que tal cor simboliza guerra; e quando você vê estrelas num céu romântico, seu amigo interpreta aquecimento global e poluentes.

Para resolver o debate, você entra na internet e lê que a pintura é uma réplica de um projeto de arte do ensino fundamental da artista. Vermelho é sua cor preferida e os pontos cinzas no céu são fadas. Pois, agora você sabe quais eram as reais ou as exatas intenções as quais levaram à criação desse trabalho de arte. Pergunto: você está errado ao desfrutar de tal arte mesmo de uma forma não intencionada pela artista? Você deixou de gostar ou gostou menos do quadro, agora que sabe a verdade sobre ele? Quanto a intenção da artista, em certa medida, deve interferir na sua interpretação de sua pintura?

Essa última questão tem sido perguntada por diversos séculos, tanto por filósofos quanto por críticos de arte no mundo todo e sem algum tipo de consenso em vista. Ao redor do meio do século XX, o crítico literário W.K. Wimsatt e o filósofo Monroe Beardsley discutiram sobre a intencionalidade do artista como irrelevante, visto que a nomearam como uma falácia intencional. Tiveram dois argumentos e expuseram hipóteses: primeiro, se o artista que estamos estudando está morto e nunca disse sobre suas intenções, então, elas estão simplesmente indisponíveis no momento para respondermos qualquer questão sobre sua arte. Segundo, mesmo que tivéssemos diversas informações relevantes, tais, os distrairiam das qualidades da arte em si. Eles compararam, então, a arte com uma sobremesa: quando você experimenta um pudim a intenção do chef não afeta se você gosta do sabor ou de sua textura; o que importa é se ele “funciona”.

É claro que o que “funciona” para uma pessoa pode não “funcionar” para outra. E desde que diferentes interpretações existam para distintas pessoas, os pontos cinzas de nossa pintura podem ser razoavelmente interpretados como fadas, estrelas ou poluentes advindos do aquecimento global. De acordo com a lógica de Wimsatt e Beardsley, a interpretação da artista sob sua própria arte poderia ser uma entre diversas interpretações.

Se você acha isso de tal modo problemático, então, talvez você possa estar a pensar mais de acordo com Steven Knapp e Walter Benn Michaels, dois teóricos da literatura so quais rejeitaram a falácia intencional. Eles afirmam que o significado intencional do artista não só representa uma possível interpretação, mas a única possível interpretação. Por exemplo: imagine que você está a andar na praia e percebe algumas marcas na areia as quais o fazem de alguma forma ler poesia. Knapp e Michaels diriam que a poesia perderia todo o sentido, ao passo que você perceba que tais marcas não são obra de um ser humano, mas uma estranha coincidência produzida pelas ondas do mar. Eles acreditavam, pois, que um criador intencional é o que faz do poema ter sentido.

Há também outros e outros mais pensadores os quais afirmam que haveria de ter um meio-termo, no qual a intenção do artista seria apenas uma parte desse enorme enigma sobre a arte. E quanto às intenções do artista estarem diretamente conectadas ou serem relevantes só ao seus interlocutores? É como uma conversa que é entendida sem muitas palavras, como alguém que pergunta a outra, que também fuma, se tem fogo.

Portanto, você, como Wimsatt e Beardsley, acredita que quando estamos falando de arte, a prova deveria estar no pudim? Ou você acha que as intenções e motivações do artista para seu trabalho de arte afeta seu significado?

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