Horror Expo 2019 | Entrevista com Mick Garris - Cinem(ação)
Entretenimento

Horror Expo 2019 | Entrevista com Mick Garris

Gostaria de dizer que Mick Garris é o tipo de entrevistado que dispensa apresentações. No entanto, Garris é mais cultuado por um nicho específico de fãs de terror que reflete suas produções mais interessantes em seus caráteres derivativos, como Criaturas 2 (1988), Psicose 4 (1990), A Mosca 2 (1989) e até mesmo as séries de TV de A Hora do Pesadelo (1988-1990) e O Iluminado (1997), todos projetos que ele escreveu ou dirigiu (e A Mosca 2 permanece como um filme injustiçado, vítima do tamanho de seu antecessor). Desse derivativo que parece desqualificar tais filmes antes mesmo que venham ao mundo, a grande sacada de Garris: utilizar tais títulos para trabalhar suas próprias e curiosas ideias em relação ao terror. São produções muito melhores e interessantes do que deveriam ser em primeiro lugar.

Não é só de curiosas pérolas que é composta contribuição de Garris para o terror. Um dos homenageados da Horror Expo 2019 (junto ao grande José Mojica Marins, o Zé do Caixão), recebendo o troféu Horror Expo Lifetime Achievement Award, ele é mais conhecido por ter escrito o clássico de halloween Abracadabra (1993), por suas adaptações de obras de Stephen King como Sonâmbulos (1992) e por ter criado a série-antologia Masters of Horror, que de 2005 a 2007 reuniu cineastas como John Carpenter, Dario Argento, Takashi Miike e Tobe Hooper. O fã de terror mais novo deve conhecê-lo através de Post Mortem, seu podcast que recebe inúmeras figuras envolvidas de alguma forma com o gênero, dos mais velhos aos mais novos.

Mick Garris
Stephen King (esquerda), Mick Garris (centro) e Clive Barker (direita) no set de Sonâmbulos, em 1992

Em sua passagem pela Horror Expo, Garris andava, durante os três dias, pelo Pavilhão de Exposições do Anhembi no qual acontecia o evento com um sorriso no rosto. Parava para olhar todos os estandes, possuindo paciência e bom humor para tirar foto com todos que pediam (mesmo aqueles que o faziam sem saber quem ele era). Demonstrou bom-humor até mesmo com problemas técnicos, como o local desfavorável de seu painel após a exibição de Nightmare Cinema (2018) – filme-antologia que idealizou e trouxe para exibir na Horror Expo -, onde competia com o barulho de música do resto do pavilhão e da Expo Cristã (podia ser uma jogada de Marketing mas não era), que acontecia ao lado. Adepto de um humor auto depreciativo (dizia coisas como “estava tudo indo bem até eu entrar e estragar o projeto”), Garris demonstrava modéstia quando chamado de “mestre do horror”, dando de ombros e rejeitando prontamente o adjetivo. Isto talvez porque Garris esteve sempre trabalhando com alguns dos maiores mestres do terror, servindo mais como um porta voz destes, pois nunca deixou de ser um bom fã do gênero.

Após esta longa apresentação, fique com a entrevista que fizemos com Garris, onde ele fala um pouco sobre as novas faces do terror, temas taboos e podcasts:


É um Prazer te encontrar novamente.

Igualmente, obrigado.

Como está sendo sua visita ao Brasil, a chegada, a recepção, as pessoas?

Está sendo incrível. Eu estou tão impressionado pela paixão que os fãs brasileiros têm pelo gênero do terror em particular. Eu não tive a chance de ver muito da cidade ou do país, mas ano passado eu fui ao Fantaspoa, em Porto Alegre e me diverti muito, e aqui… este é um evento enorme,e é o primeiro do tipo, e eu acho que ele apenas vai crescer. Mas os fãs são ótimos. Eu adoro como eles não apenas assistem os filmes, mas eles constroem itens, há muitos artesões aqui, que estão construindo Critters, e itens de Abracadabra, e todas essas coisas, é fantástico.

E é algo que parece enraizado nesse terror B, o aspecto do “faça você mesmo”. Indo por esse caminho: em seu painel, que aconteceu na sexta-feira, você falou um pouco sobre seu podcast, o Post Mortem, e o trabalho que você realiza no mesmo. Aqui no Brasil o podcast é uma ferramenta que está em plena ascensão. Muita gente está embarcando nesse meio. Todo mundo pode fazer um podcast. Como alguém considerado um “mestre”, o que você acha disso?

Eu acho que Podcasts são ótimos. Muitos deles são medíocres [risos], porque qualquer um pode fazê-los, e você não precisa de uma licença para ter um podcast, mas precisa ter um conhecimento do assunto sobre o qual você está falando, e o que é especial sobre o nosso podcast é que você tem um cineasta que está falando com cineastas, ao invés de um jornalista ou um fã. Então já existe uma confiança aí de que nós sabemos do que estamos falando, e eu conheço a maioria das pessoas que participam do meu podcast. eles podem até ser amigos, ou eles são pessoas que eu realmente admiro. E nem todas elas sabem quem eu sou, mas uma vez que estamos naquela sala juntos e estamos tendo uma conversa, é uma conversa baseada num conhecimento, e numa história e numa curiosidade, porque eu aprendo algo em cada um daqueles episódios, incluindo aqueles com “cineastas de primeira viagem”, que só fizeram, talvez, apenas um longa-metragem. Como quando entrevistamos Ari Aster. Seu único filme até então era Hereditário. Mas foi uma ótima conversa de uma hora. E há podcasts fora e dentro do gênero que eu acho ótimos. Mas o problema é o mesmo que acontece com curtas-metragens amadores: há milhares dos terríveis, pois a boa notícia hoje em dia é que qualquer um pode fazer um filme. A má notícia é que qualquer um pode fazer um filme [risos]. E o mesmo acontece com podcasts. Mas existem ótimos, e eu amo ouví-los. E eu raramente escuto mais rádios, eu escuto podcasts.

Mick Garris em seu painel de sexta-feira, mediado por Carlos Primati, na Horror Expo 2019

Porque o podcast está cada vez mais substituindo as rádios, ele se tornou a rádio moderna, certo?

Com certeza! É a sua própria rádio à domicílio.

Na verdade minha próxima pergunta estava caminhando à algo que você mencionou, Ari Aster e essa nova geração de cineastas que estão fazendo esses novos… não é exatamente “um novo tipo de terror”…

“Terror elevado” ? Como “A Bruxa” e “O Babadook”?

Sim, sim… Eu acho essa expressão uma bobagem.

Eu odeio. Eu odeio. Eu acho que Hereditário é um grande filme, e “A bruxa” é um grande filme, e “O Babadook” é um grande filme, e todos eles são grandes filmes de horror. Eles não são algo diferente. Sabe, existem filmes estúpidos de terror e filmes espertos de terror. E isso não os torna elevados. É uma forma do mainstream gostar de filmes de terror sem ser esnobe em relação a isso. “oh, isso é terror elevado, tá tudo bem gostar disso”.

Exatamente. Eu acho que o termo “Pós-Horror” apenas faz coisas ruins para o gênero.

Horrível. Porque é tentar separar o Horror e dividi-lo. Junte tudo, permita-o que respire, sabe?

Horror Expo Mick Garris
Mick Garris conversa com Cauê Petito, do Cinem(ação)

Nós não temos muito tempo, mas a última pergunta é sobre algo que você comentou brevemente no seu painel aqui na Horror Expo, sobre quando você trabalhou com o Clive Barker, um dos meus preferidos. Você mencionou como gosta dessa correlação entre o sexo e o terror, e como as melhores histórias do gênero para você unem ambos. Você poderia falar um pouco mais sobre isso?

É um taboo. E o terror faz seu melhor trabalho quando é taboo. A morte é um taboo. E uma das coisas mais aterrorizantes que pode acontecer com um ser humano é quando eles atingem a maturidade. Maturidade sexual. É assustador, a primeira vez que alguém tem uma relação sexual, não tem que ser assustadora, mas pode ser cheia de horror. E o que pode ser mais aterrorizante, ou mais íntimo que a sexualidade? E quando isso entra na vida em um sentido perigoso, temos algo que é… sabe, o Clive Barker faz de forma tão bela e natural, e bom, ele é perturbado de qualquer forma [risos].

E é fascinante, a forma que ele pensa sobre essas coisas…

Sim, eu amo ler as coisas dele, é tão denso e inteligente, mas eu amo o destemor de se adentrar em tais temas. Quando eu dirigi “Chocolate”, meu primeiro filme da série Masters of Horror, há uma cena onde Henry Thomas está interpretando um personagem que está tendo a experiência de uma mulher quando ela está sendo penetrada, e é uma performance muito corajosa da parte de Henry. Quando nós estávamos fazendo Masters of horror existiam três salas de edição acontecendo ao mesmo tempo. Então dois outros diretores estariam trabalhando nos filmes deles, e eu chamaria eles para mostrá-los esta cena. Porque, de uma forma, as pessoas diziam “ah, Chocolate não é um filme de terror, é um thriller”, e eu mostrei pra eles – e eu não direi quem eram os diretores -, mas eles disseram “oh meu deus!”  e ficaram perturbados com a cena. E é o poder da sexualidade, que é uma coisa natural, mas aqui está um homem que não está experienciando a transa como um homem, e sim como uma mulher, de dentro, e isso aterrorizou as pessoas e perturbou os fãs jovens de terror, que é algo que me deixa muito feliz!

A mim também! Eu vivo por esse tipo de coisa [risos]. Não o valor de choque, mas entender os meandros deste assunto.

Exatamente! Com um propósito.

Porque é visto como perverso por uma razão, é visto como proibido por uma razão.

Sim, e as pessoas estão apavoradas pelas posições e questões de gênero [sexual], sabe.

Bom, eu realmente queria que tivéssemos mais tempo, mas muito obrigado pela conversa.

Foi bom, não foram as perguntas de costume, eu gosto disso! Bom Trabalho.


A Horror Expo 2019 aconteceu entre os dias 18, 19 e 20, e reuniu mais de 12 mil pessoas nos três dias de evento

Deixe seu comentário