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CRÍTICA: ARTHUR FLECK

Prefiro chamar este filme de Arthur Fleck.

Ficha técnica:
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, Shea Whigham.
Nacionalidade e lançamento: EUA, 4 de outubro de 2019 (3 de outubro no Brasil)

Sinopse: Arthur Fleck ganha a vida como palhaço, cuida da sua mãe e tenta vencer os seus problemas mentais. Mas a sociedade a sua volta não ajuda, ao invés disso, ela o corrompe. Seguimos vendo a transformação de um homem em um maníaco.

Gosto de dar um passo para trás, me reajustando em outras óticas sempre tentando tirar proveito de todo filme que consumo. Não tem como, cinema é algo maravilhoso e deveras complexo. Mas vendido como produto, cai em uma área, em que muitas vezes devemos ler de forma técnica e racional. E usando elementos dentro da arte, também precisamos equilibrar tudo com emoção e subjetividade. Em ambos os casos, este longa não me agradou. Sei que vou pisar em ovos aqui, mas tentarei ser o mais sucinto e direto quanto ao meu ponto.

Gostaria de começar relatando que não vejo está obra como um filme do personagem ficcional criado pela DC Comics no começo dos anos 40. Uma vez que tirando a loucura do protagonista em questão, absolutamente nada, liga ele a essência do personagem que leva o título do longa. Então substituo desde já o nome “Coringa” por “Arthur Fleck”.

Sim. Eu levei em consideração que é uma releitura, ambientado de forma distinta, com uma nova roupagem e outra “origem” para o vilão. Distante de todo o DCU – mas ainda dentro dele – o filme pontua bem, que o formato escolhido aqui, seria uma graphic novel fechada. Contando assim com uma liberdade descomunal e ocasionando a descaracterização violenta que não curti. E digo isso, toda vez que percebo que este Coringa não é manipulador, nem um pouco astuto, longe de ser engenhoso, nada irônico ou ainda, ardiloso, temos aqui um ser humano que clama autopiedade e segue um caminho completamente previsível, destoando de tudo que o nosso tão querido palhaço, é.

Como não fui apresentado devidamente a uma Gothan e se quer entendi os seus problemas, vou também desconsiderar a nova “origem” do homem morcego e a depravação total da figura de seu pai. Thomas Wayne passou de um herói, historicamente aclamado pela população a sua volta, para um Trump que soca doentes mentais em banheiros públicos.

Dito isso, me forçarei falar sobre o filme deste perturbado rapaz, sem me ater a DC.

Em resumo, temos um roteiro raso, unilateral e que não gera qualquer discussão. Usa vias incômodas para se diferenciar dos demais filmes do gênero. Mas acabou saindo repetitivo, de escolhas fáceis e assustadoramente didático, fora que possui uma direção que particularmente gosto de chamar de “mamãe quero ser Scorsese”.

Mas por que digo que é raso e unilateral?

Talvez por não gerar nenhum tipo de debate. Os problemas não são explorados, aliás, nem se quer apresentados. Temos uma sociedade colapsando, mas sem um argumento. Por que aquela “Gothan” está daquela forma? O que está acontecendo na economia? E na saúde? O que as outras pessoas pensam? O que as outras pessoas passam? Tudo bem, sabemos que é um filme de estudo de personagem, o foco é pra ser nele, mas não desenvolver nada a seu redor e só pontuar que todo mundo é violento e desagradável, é raso demais.

Bato na tecla da unilateralidade, pois não temos um contraponto. Não temos uma discussão em tela, argumentos debatidos, mecânica de pontos de vistas exploradas em um diálogo ou uma ação bem desenvolvida. O roteiro segue faccioso e completamente parcial, onde o que o protagonista Arthur acha, é e pronto.

Se os três baleados no metro fossem pobres, instigaria a comunidade menos favorecida a usar isso de trampolim para pular em cima do seu governo. O que viria a ser até mais interessante, pois é uma ferramenta mais pesada, real e inteligente – mesmo que no caso fomentada pela inocência – do Arthur ao jogar o povo contra a elite. Mas quem morreu foram 3 jovens ricos, e a justificativa do caos por meio da classe trabalhadora que foi as ruas de máscara, é simplesmente “rico tem que morrer mesmo”.

Um contraponto se faz necessário para manter essa locomotiva nos eixos. Por exemplo ter um certo rapaz que se fantasia de morcego para sair à noite ou quem sabe um policial bigodudo de bom coração. O mais próximo disso foi o carismático apresentador Murray, onde quando teria a catártica discussão, toma um tiro no meio da cara e ficamos apenas com um ponto da história.

Arthur, defende que o rico que faz o que quer, e que neste mundo não existe ninguém cinza. Ou seja, tudo é preto no branco sim. Sabe aquela frase “a bola é minha, pronto e acabou”? Pois é, assim que ele age sem o público ter direito a ver o outro lado. Arthur se comporta da mesma forma que todos os outros personagens a sua volta e mesmo assim é aclamado.

Infelizmente não é só a bidimensionalidade que o longa me incomoda.

O diretor Todd Phillips promove em exaustão, cenas incômodas, para mostrar como a vida de Athur é problemática e forçar um vínculo de dó com quem assiste, porém, Phillips não pesa a mão. São cenas de espancamento – consideradas “bullying” – em outras temos ele se esforçando no emprego e fazendo de tudo para que sua mãe incapaz, tenha uma vida digna.

Se não fosse o trabalho impecável de Joaquin Phoenix – tanto corporal, quanto de interpretação – nunca teríamos sido impactados por nada ali. Situações que vão do trivial ao sem nexo. Se o autor tem vontade de bater em algo com a sua obra – e muitas vezes é para isso que ela serve – e quer porque quer causar alguma estranheza nas pessoas – não só para impressionar, como abalar – teria que ter trabalhado um pouco mais em suas camadas e cenas.

Gaspar Noé, Pedro Almodóvar e Lars Von Trier, até Tom Six sustentam muito bem este tipo de proposta. O alemão Fatih Akin, fez um ótimo trabalho neste quesito com o Bar Luvas Douradas, sem tanta liberdade – uma vez que é baseado em fatos reais – extraiu um maníaco muito mais verossímil e apavorante, trazendo um pouco dos Cronenberg’s em uma atuação também extraordinária do jovem Jonas Dassler. Falta pulso em Todd. Falta capricho. O roteiro toca o problema mental – inclusive usa uma bela frase para encorpa-la – e a humilhação, mas não as nutrem proporcionalmente. Jogando assim mais blur no seu roteiro do que em seus quadros.

Não acho que seja só capricho, é um pouco de preguiça. São inúmeras as saídas fáceis pro roteiro. Poderia citar a facilidade em que Arthur chega até o filho do homem mais poderoso da cidade, ou como ele entra no apartamento da vizinha que mesmo residindo em uma cidade horrorosa, xingando o prédio na sua única oportunidade de fala, sendo mulher, jovem, solteira, bonita e com uma filha pequena, não tranca a porta. Poderia falar também em como toda uma manifestação está sendo contida em volta do cinema – uma vez que o futuro prefeito deve ter abarrotado de militares em torno do local – mas ele, nosso Arthurzinho, o protagonista que ri sem querer e não consegue fazer mal a uma mosca, pula o alambrado, acha uma porta aberta, se veste como um funcionário e persegue a sua vítima sem ter nenhum desafio…

Mas vou ser chato e ir um pouco mais além. Qual o meio mais fácil que o roteiro poderia trazer para Arthur perder o carinho por seu ídolo e ao mesmo tempo se chamado para ir ao seu talkshow? Se tornando piada nele, ué. Então o roteiro nos faz crer que alguém no final dos anos 70, tenha uma câmera e a leve para um pulgueiro qualquer de stand up, mesmo morando na cidade mais perigosa do país. Ok, compro a ideia senhor Todd. Mas quando ela é exibida em dois ângulos diferentes no programa do Murray… aí já virou “palhaçada”.

Em uma conversa com o meu amigo e também autor aqui do Cinem(Ação) – Lucas Albuquerque – ele chegou a me lembrar do vídeo super bem editado que rola em um celular no filme Logan. Detalhe que também nos tira completamente da imersão que o roteiro devia nos propor.

O roteiro enfraquece tudo, se mostra repetitivo e sempre em negativa. Todd tenta nos conectar a Arthur apenas pela compaixão e pelo pesar. Subestima demais o seu público, tirando o impacto da frase da Sophie ao ver aquela maravilhosa cena em que Arthur a encarando do seu próprio sofá. Retira manualmente a mulher, cena a cena… Deixou o filme enfadonho ao optar pelo didatismo. Hey Todd, você não inventou a roda, ok? Já fizeram filmes assim antes. Não tenha medo de cortas cenas.

Todd Phillips evoluiu muito. Colocou em sua obra um ator do nível de Joaquin Phoenix, e extraiu dele um possível Oscar – ainda sou do time DiCaprio para 2020, mas se ele vier a ganhar, acho completamente aceitável – combinando com uma paleta de cores maravilhosa, transições e rimas visuais lindas, graças a uma fotografia diferenciada e praticamente única.

Mas a sua vontade de ser Scorsese… azeda tudo. A “tentativa” de Taxi Driver e O Rei da Comédia, é nítida e escancarada. E na real, não há mal nisso. Só que ser prepotente achando que vai entrar pro hall da antiga “Nova Hollywood”, porque emulou algumas cenas é vexatório. Sou muito fã de Martin Scorsese, e consegui encontrar diálogos e passagens bem típicas de Os Bons Companheiros, Cabo do Medo e até mesmo Cassino.

Se pararmos pra analisar, talvez o filme todo tenha se passado na mente do Arthur, uma vez que tivemos cenas dele dentro do “Arkham”. Contamos com uma narrativa que usa o tempo e espaço de forma arbitrária e encerramos a jornada, acompanhando ele em uma consulta no final do terceiro ato… podemos arriscar e concluir que nada aconteceu. Foi tudo alucinações ou explicações adversas para a sua psiquiatra. Isso seria genial? Ou apenas “mamãe quero ser Scorsese” em Ilha do Medo?

Quentin Tarantino referência tudo e todos que gosta. Todo profissional pode e até deve beber em outras fontes, mas quando o objetivo tem este tipo de proporção, o mínimo que se espera é muito estudo, as habilidades necessárias para sustentar o objetivo e principalmente, uma assinatura. É preciso ter uma voz, seja ela qual for.

Este papo político de que o filme é X ou Y, que incita isso ou aquilo é tudo bobeira. Aliás o filme atira para tantos lados, buscando ser onipresente na opinião alheia, que acaba se tornando vazio e não abraçando muita coisa. Claro, particularmente acho que um indivíduo que apenas culpa a sociedade por ser o que é, e não quer ser responsabilizado e muito menos penalizado por seus atos, é algo que vai muito além dessa humilde crítica. Papo para outra hora e ocasião.

Julgo patético o pensamento de uma galera que teme a influência que este longa possa vir a gerar. Se fosse assim ninguém lia ou assistia mais nada. Anthony Burgess, Philip K. Dick e Irvine Welsh poderiam ter moldado o caráter de milhares de pessoas e mudado o mundo. Já pensou a horda de leitores de Chuck Palahniuk orquestrando o caos? Charles Bukowski faria com que não existissem mais casamentos. Teríamos que esconder Schopenhauer, Nietzsche e Freud dos desavisados.

Este tipo de temor é fraco e beira a censura. Já imaginaram o estrago que o primeiro filme do Rambo teria feito aos americanos de cabeça fraca?

Fico de boca aberta cada vez que lembro de alguma cena do Joaquin. Dá gosto de ver algo assim. Em termos de atuação, vejo no mesmo nível do finado Ledger. Mas apenas um deles fez realmente um Coringa. Aliás, quanto a versões, brinco que a Baby (Sheri Moon Zombie na Casa de Mil Corpos e Rejeitados Pelo Diabo) e o Doom-Head (Richard Brake em 31) são versões do Rob zombie ao casal Coringa e Arlequina. Isso nunca foi confirmado, mas com certeza seriam mais fiéis que o personagem que jogaram no colo do Joaquin Phoenix e Margot Robbie.

Infelizmente não o vejo como um filme do Coringa, o que até foi bom e me fez aumentar essa nota final. Lamentavelmente o filme me perdeu ainda no primeiro ato e fui acompanhando de forma desgastante e sem recompensas os seus 122 minutos. Foi uma masturbação cansada e sem orgasmo.

Aprecio de alguns elementos utilizados no filme, e cheguei até a voltar atrás em alguns bom pontos abordados na crítica do grande Daniel Cury AQUI e na ótima e vitaminada discussão no nosso último podcast AQUI. Mas como o Cinem(Ação) não é feito pelo Todd Phillips – logo não é unilateral – temos então aqui uma humilde opinião adversa dos demais amigos cinéfilos no qual compartilho com vocês. Pensem que existe diversos paladares, e isso é o máximo!

Gosto de pensar que eu não ter gostado do filme, não o faz o filme definitivamente ruim. Eu só tenho os meus motivos. Pois se um filme ganha ou deixa de ganhar um prêmio, foi graças aos motivos de cada eleitor. E se existe uma hierarquia nas premiações, pode ter certeza que não é atoa. Uma direção tem o poder de salvar ou destruir um bom argumento, um bom roteiro pode alimentar uma atuação, depois vem a atuação dos protagonistas escolhidos, o ritmo ganhando vida na montagem, o foco da fotografia… e por aí vai. E aqui a obra me perde no roteiro, um dos maiores pilares.

Todo ser lúcido, achou essa atuação do Joaquin simplesmente BRILHANTE, mas eu imagino o que aconteceria se a película contasse com um roteiro do mesmo nível por trás. Este filme entraria para história!

Já imaginaram o Murray passando por um diálogo desses:

O Coringa teria feito algo assim!! rs

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Em resumo...

temos um roteiro raso, unilateral e que não gera qualquer discussão. Usa vias incômodas para se diferenciar dos demais filmes do gênero. Mas Acabou saindo repetitivo, de escolhas fáceis e assustadoramente didático, fora que possui uma direção que particularmente gosto de chamar de “mamãe quero ser Scorsese”. Foi uma masturbação cansada e sem orgasmo, onde o blur é jogado principalmente sobre o roteiro. Do trivial ao sem nexo, temos um Coringa sem qualquer essência, casando com um comando de boas homenagens, mas nenhuma personalidade.

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