Graças a Deus: filme francês toca na ferida aberta da Igreja Católica
Graças a Deus - filme de François Ozon - cena do filme com uma mulher e um homem ao lado de uma janela
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Eu Cinéfilo #47: Graças a Deus: filme francês vencedor do Urso de Prata toca na ferida aberta da Igreja Católica

Por Matheus Macedo

O diretor e escritor francês François Ozon, decidiu levar para as telas do cinema um tema polêmico e de grande repercursão. Em seu novo longa Grâce à Dieu (Graças a Deus), Ozon convida o espectador a acompanhar o drama de um grupo de vítimas de abuso sexuais cometidos por um padre francês e a luta por justiça. O filme que estreou em fevereiro no Festival Internacional de Cinema de Berlim, agradou os críticos e se sagrou vencedor do Urso de Prata. O longa-metragem foi lançado no Brasil no início de junho e faz parte da programação do Festival Varilux de Cinema Francês 2019. 

O longa é baseado nos casos de pedofilia envolvendo o sacerdote francês Bernard Preynat e a condenação do cardeal Philippe Barbarin, da diocese de Lyon, por acobertar as acusações. Considerado o mais importante caso de abuso sexual infantil na Igreja Católica francesa, o acontecimento eclodiu na mídia no ano de 2015, quando a diocese de Lyon admitiu ter recebido diversas denúncias feitas por homens que sofreram abusos sexuais por parte de um padre, nas décadas de 1980 e 1990. 

Na época o sacerdote Bernard Preynat era capelão de um grupo de escoteiros e utilizava de sua proximidade com as crianças para cometer os crimes de pedofilia. Naquele período, algumas famílias chegaram entrar em contato com a diocese para denunciar os abusos e obtiveram a resposta de que o padre seria afastado de suas atividades com os escoteiros. 

Imagine agora que após mais de 20 anos dos acontecimentos, uma das vítimas descobre que, o mesmo padre que havia cometido os abusos estava em plena atividade e trabalhando durante todos esses anos com crianças. Esse é somente o ponto de partida do longa-metragem que narra o drama de três homens. 

O diretor francês que ficou conhecido por dirigir filmes em que suas personagens centrais eram figuras femininas, resolveu arriscar e apresentando personagens masculinos, com personalidades e realidades de vida distintas, mas que possuem algo em comum: todos sofreram abusos sexuais na infância dentro da igreja. 

A narrativa parte da história de Alexandre (Melvil Poupaud), um homem de cerca de 40 anos, católico praticante, bem-sucedido e com família constituída, a qual preza pelos valores religiosos. Com a descoberta de que seu abusador ainda está em atividade, Alexandre decide pressionar a Igreja francesa para que expulsem o padre. A trama ganha forma e novos personagens quando as queixas de Alexandre não são atendidas pelo cardeal Barbarin, o levando a denunciar o caso na justiça. A partir desse ponto o longa apresenta duas novas histórias a de François ( Denis Ménochet) e Emmanuel (Swann Arlaud), ambos vítimas, mas de épocas distintas. 

Tratar de casos de pedofilia não é uma tarefa fácil, nesse aspecto Ozon é ousado e entrega um filme denso com uma grande reflexão. Seus personagens são bem desenvolvidos e com profundidade fazendo o espectador mergulhar em suas personalidades e ações. 

Um dos aspectos positivos do filme é tratar os episódios de abuso sexual na perspectiva de pessoas diferentes: um católico rico, um ateu bem de vida e um homem pobre sem estrutura familiar, vivendo um relacionamento tóxico. Em outros momentos as diferenças de pensamentos se chocam e contribuem para o desenvolvimento da história.

Grâce à Dieu (Graças a Deus) consegue mostrar como uma vítima lida com o trauma nas diferentes estruturas familiares e classes sociais. Dessa forma os impactos na vida adulta dos três personagens são diferentes, mas completamente relacionados ao modo de vida e apoio que tiveram ao longo dos anos.  O diretor ainda consegue evidenciar em algumas cenas e diálogos corriqueiros, como a Igreja Católica ainda é influente na sociedade francesa. 

Com um tom documental e de denúncia o filme erra ao inserir muitas narrações na tentativa de mostrar a  insistência de Alexandre em conseguir falar com o cardeal por meio de emails, tornando o filme repetitivo, cansativo e até sonolento. A história flui quando François e Emmanuel são inseridos, desenrolando o enredo e mostrando onde o roteiro pretende chegar.  Grâce à Dieu (Graças a Deus) toca em uma ferida aberta e profunda da Igreja Católica. O ato de expor o problema da pedofilia dentro de uma instituição milenar se faz necessário para toda as autoridades clericais, principalmente o Papa, se esforcem mais e se dediquem a combater e punir os responsáveis por casos de abusos sexuais. Em Grâce à Dieu o cinema deixa de ser um lugar de fantasia e cumpre aqui seu papel social de denunciar e alertar o mundo de que algo precisa ser feito. A mensagem é clara: padres devem zelar pelas suas ovelhas e não utilizar da inocência e pureza para  abusar e machucar.

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