Crítica: Rocketman (2019) - A cinebiografia do Elton John
Rocketman
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Crítica: Rocketman (2019) – A cinebiografia do Elton John

Há um quase paradoxo em algumas cinebiografias de astros: enquanto as figuras retratadas são em geral rompedoras de paradigmas e tem histórias que beiram a loucura, os filmes, por vezes, tem um tom mais careta – tanto na abordagem, quanto no como é filmado. Rocketman não é o suprassumo da revolução cinematográfica, porém há diversos momentos criativos e bem realizados.

Falar de Elton John para além do conhecimento público é uma tarefa que não me pretendo aqui – recomendo o Radiofobia Classics #3 para uma abordagem mais musical e o recente Nerdcast 676 para algumas histórias. E principalmente, pois nem o filme traz um olhar exaustivo daquela figura. Há um recorte claro, da infância até meados da década de 80, que entendo preciso, pois torna os objetivos mais diretos e enxuga possíveis barrigas ou, o contrário, correrias.

Uma saída bem sagaz foi trazer a história sob a forma de reabilitação. Elton (ou Reginald), interpretado por Taron Egerton, conta o que foi a própria vida em uma reunião do A.A. como forma de expurgar os próprios demônios. Ele inclusive vem fantasiado com chifres e outros adereços nesse sentido. Conforme a narrativa se desenrola, ele vai se desconstruindo em um movimento oposto a do filme, pois lá vemos a construção do mito. Essa relação dá um pouco de humanidade para a lenda e de mitificação para o homem.

Como opção estilística temos um musical – algo que dá arrepio em alguns, mas que permite, quando bem executado, uma desenvoltura técnica e emocional que foge do tradicional. Aqui Rocketman não para para entrar em um sapateado ou em um lálálá, temos as apresentações como forma de fazer a história fluir e de maneira muito orgânica. As transições entre conversas “normais” e as cantadas são suaves.

Com isso, várias cenas tem o sentimento potencializado. Há quem diga que alguns momentos, em outro filmes, quebra-se o ritmo dos longas, aqui ocorre justamente o oposto. Um dos exemplos está na música Your Song. Um momento delicado da amizade do interprete com o letrista e amigo Bernie Taupin (Jamie Bell). A câmera busca de forma límpida os olhares de ambos e entendemos ali, pela letra da música e pela cinematografia, o sentimento envolvido.

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Em outras músicas, temos a inteligente uso cronológico. Um dos erros costumeiros em biografia é a necessidade de marcar temporalmente os fatos, isso denota que os realizadores ou duvidam do público ou do próprio material. Em Rocketman praticamente não há exposição e a evolução, por vezes, é marcada dentro das próprias canções, como na passagem da infância para a juventude.

Na atuação, Taron Egerton trilha um caminho diferente do Rami Malek em Bohemian Rhapsody. No oscarizado filme do Queen, há mais um trabalho de imitação, vemos uma figura mais próxima ao do Freddie Mercury no aspecto físico e de “encarnação”. Já Egerton, que é menos rotundo que Elton John, faz uma leitura própria, dentro de um limite pra lá de aceitável – uma cena inclusive que as semelhanças ficam gritantes, mesmo diante das diferenças aparentes. Fora isso, diferente de Malek, Taron canta os hits o que reforça o ar de releitura – elogiado pelo próprio biografado, inclusive. Ambas as propostas são válidas e entendo que muito bem executadas. Não será estranho que o ator também apareça na temporada de premiações, mesmo sendo um tanto cedo para tal afirmação.

Desde o início a câmera busca Egerton, diante de um ator fraco os defeitos seriam ressaltados. Repare também como não só as cores mais vibrantes estão em Egerton/Elton como por vezes o ao redor tem um ar mais fechado, pastel, isso também reforça a figura. Aqui, ante o bom desempenho de atuação, torna essas opções mais dignas de nota.

Rocketman equilibra os vários sentimentos que perpassaram a vida e a mente de Elton John. Por exemplo, há um certo exagero no retrato das figuras familiares, contudo como me alertou Bárbara Ferriche, tal visão é a de uma criança ante a complexidade dos movimentos adultos e tudo fica maior, inclusive os traumas. Mais para frente temos um ar hedonista tanto na vida pessoal, quanto nos palcos, a cena da flutuação é um marco nesse sentido. O ciclo se fecha no terceiro ato com uma conversa terapêutica e um choque dos fantasmas passados.

Como o biografado está na produção do filme, então temos um certo ar de chapa branca, contudo ainda assim sentimos alguns passos errados e há cenas mais realistas de drogas e sexo do que no parceiro musical , o já citado Bohemian Rhapsody – que curiosamente foi finalizado pelo mesmo diretor: Dexter Fletcher.

Fletcher, junto com Elton, sabe o que quer mostrar, como e o faz com primazia. Temos o uso nostálgico das canções sem apelação, mas com muito sentimento. A música título, por exemplo, sai bem da caixinha com uma quebra à la paradinha de escola de samba. Mesmo beirando alguma pieguice, há valor, e muito, em Rocketman.

  • Nota Geral
4.5

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