Crítica: Roma - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Roma, filme original Netflix de Alfonso Cuarón. Cena com Cleo e Pepe deitados, fingindo-se de mortos
5 Claquetes

Crítica: Roma

Roma” é provavelmente o melhor original Netflix já lançado pela plataforma.

Ficha técnica:
Direção: Alfonso Cuarón
Elenco: Yaitza Aparicio, Marina de Tavira, Diego Cortina Autrey, Daniela Demesa, Carlos Peralta, Marco Graf, Nancy García García, Verónica García.
Nacionalidade e data de estreia: México, Estados Unidos, 14 de dezembro de 2018 (lançamento mundial na Netflix).
Sinopse: Entre os anos de 1970 e 1971 na Cidade do México, acompanhamos Cleo, uma empregada doméstica que trabalha para uma família com quatro crianças. Neste período, muito acontece em sua vida, na casa em que trabalha, e no México.

É curioso notar como o mar é capaz de simbolizar a união de uma família. Em “Benzinho“, o diretor Gustavo Pizzi consolida a união dos personagens em uma praia. Em “Assunto de Família“, Hirokazu Kore-eda simboliza a congregação daquele núcleo incomum também no quebrar das ondas. Em “Roma”, filme mais intimista de Alfonso Cuarón, o diretor mostra a praia nos momentos finais do longa. É lá que a potagonista Cleo assiste uma mãe e seus filhos se divertindo nas ondas, ao mesmo tempo em que cuida deles sem pertencer totalmente, para minutos mais tarde ser abraçada por todos em uma cena comovente.

“Roma” conversa com muitos outros filmes. “Que Horas Ela Volta?” é um quase inevitável, ainda que Cuarón não tenha a preocupação de fazer o comentário social de Anna Muylaert. Os sons do bairro que “acontece” em volta da casa remetem a “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho. Mas acima de tudo, o filme de Cuarón conversa com seus filmes anteriores: há uma citação clara a “Gravidade“, há os planos cuidadosos de “Filhos da Esperança”, e há a perda da inocência, temática de Cuarón em obras que vão desde “A Princesinha” e “E Sua Mãe Também” até “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, o turning point da franquia bilionária.

Só o tempo dirá se “Roma” é a obra prima de Cuarón e se sua grandiosidade é realmente perene. Seu lugar de desconforto no mercado cinematográfico, após o filme ter sido retirado da competição em Cannes por não estar no circuito tradicional e ser uma produção Netflix (que iria diretamente para o streaming) já deixam o longa ainda mais significativo.

Mas o fato é que essas posições de comparação e condições extrafílmicas não se sustentariam sozinhas. “Roma” é uma narrativa sensível, profunda, repleta de nuances e extremamente carinhosa.

Com uma fotografia plasticamente bela, um preto e branco “ensolarado”, e uma reconstrução de época perfeita, o filme se demora nos afazeres diários de Cleo, na placidez da protagonista, no carinho que ela demonstra com os pequenos que vivem na casa. Cuarón faz uma ode ao bairro em que viveu, ao país em que nasceu, e à babá que o criou. Nem é preciso estar muito a par do fato de o longa ser um projeto pessoal do autor: a sensibilidade do menino Pepe e a forma como ele se refere a outras vidas que “viveu” já demonstram que se tornará um contador de histórias – ou seja, ele é o personagem equivalente ao que o diretor teria vivido. E a dedicatória no final da projeção prova isso!

De resto, “Roma” traz uma sucessão de momentos lindos e escolhas incríveis para contar a história. Destaco o momento em que ela se deita ao lado do menino e diz que gosta de “estar morta”; a cena em que os ricos asistem a um incêndio sem tomar nenhuma providência ou sem se importar com “as mazelas do país”; as fanfarras passando a todo instante; a chegada do pai na casa em uma cena que se assemelha a uma nave espacial acoplando em uma estação; e a facilidade de Cleo em se equilibrar com os olhos fechados quando todos ao seu redor não o fazem.

Para compensar a falta de expressão que uma pessoa sofrida como a protagonista costuma ter, Cuarón opta por demonstrar isso por meio de imagens. Ela parece tranquila no cinema enquanto o filme na tela mostra o caos. Após um terremoto, os detritos do hospital em cima de uma incubadora na maternidade indicam que a personagem não está sabendo lidar com a gravidez. E o copo cheio de bebida caído no chão simbolizam muito do que ela vive.

O próprio paralelo entre os acontecimentos na vida direta de Cleo e o que se passa na casa e com a vida de sua patroa servem para enriquecer a narrativa. E os acontecimentos “maiores” do ambiente, sejam manifestações de estudantes, terremotos, ou até mesmo a dinâmica da cidade onde muito acontece a todo momento, influenciam a todo instante a vida das pessoas. Tudo está interligado.

E se a câmera de Cuarón já foi incansável e frenética, chegando ao ápice em “Gravidade”, aqui ela é estável, quase fixa. Tal qual uma fotografia que traz as memórias de infância – não á toa sem o colorido das câmeras que vieram depois. E com esse tipo de dinâmica, ele cria tensão e surpresas, seja ao mostrar uma situação dramática em um hospital, revelar quem aponta uma arma, e especialmente mostrar crianças em risco na praia. “Roma” é impecável e mostra que é possível ser pessoal e universal ao mesmo tempo. O filme é íntimo e também público. Cleo é única e, ao mesmo tempo, todas as empregadas do mundo. E quando Cuarón fala de si, ele fala de todos nós.

  • Nota
5

Summary

“Roma” é uma narrativa sensível, profunda, repleta de nuances e extremamente carinhosa.

Deixe seu comentário