Crítica: Blade Runner 2049 (2017) - Melhor filme do ano?
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Crítica: Blade Runner 2049 (2017) – Melhor filme do ano?

Blade Runner 2049 consegue honrar o clássico e entrega um filme com identidade.

Ficha técnica:
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Hampton Fancher, Michael Green
Elenco: Harrison Ford, Ryan Gosling, Dave Bautista, Ana de Armas, Robin Wright, Jared Leto
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (05 de outubro de 2017 no Brasil)

Blade Runner (1982) possui um clima noir/futurista, discussão se Deckard era ou não um replicante (o próprio conceito por trás dos replicantes), uma filosofia que questionava a nossa humanidade e a magnífica trilha do Vangelis como alguns dos elementos mais marcantes. Junta ao fato de o longa ter sido revisitado pelo diretor e possuir algumas versões, com alterações significativas no final, e temos um dos filmes mais cultuados, principalmente pelos amantes de ficção científica.

Por isso tudo, mexer na marca Blade Runner era um tanto perigoso, para muitos sendo “intocável”. Entendo o receio, mas o alívio chegou quando quem foi anunciado na direção atendia pelo nome de Deus, ops, Denis Villeneuve – conhecido, por mim, como o homem que não erra. Dentre as obras dele, temos o inquietante Homem Duplicado, o tenso Os Suspeitos, e o enérgico Sicário que já o qualificavam como um diretor muito bom. Até vir A Chegada…. nele, Villeneuve subiu de patamar. Não é todo filme que há uma unanimidade no Podcast do Cinem(ação), todos nós demos a cotação máxima.

Chegamos então a 2017. E todos os medos se dissiparam e todas as expectativas superadas. Sim, amigo leitor, pode estar achando o tom exagerado. Mas não vou pedir desculpas por isso. Poucos filmes no ano saem de uma pasmaceira medíocre e entregam um produto como Blade Runner 2049. Vale ver aqui alguns outros exemplos bem sucedidos no ano.


Mas o que faz deste talvez a obra prima de Villeneuve?

Primeiro: apesar de ter um letreiro inicial explicando o contexto e de haver um sentido que funciona em si, recomendo fortemente que veja Blade Runner de 1982, especialmente o corte final de 2007. Há uma identidade própria que faz com o que o filme respire sozinho, porém MUITAS citações explícitas e easter eggs permeiam toda a obra.  Do clássico, temos o olho inicial, áudios, personagens, a chuva…

Outro comentário aos desavisados: o filme tem 2h40! É bem lento. Denis Villeneuve não teve medo de dar o tempo que a atmosfera precisava para se estabelecer. Então vá preparado, esvazie a bexiga e contemple….

Esteticamente o clássico de 82 opta por se passar na penumbra, em um clima chuvoso que martela o tempo inteiro. Este agora se arrisca também no extremo oposto: vemos sim, cenas que se voltam para aquele modelo, em momentos pontuais há um trabalho com tons de azul e cinza, porém temos nas cores quentes – especialmente o amarelo e o vermelho – o nosso olhar conduzido. Mostrando que cada situação foi bem pensada para transmitir uma emoção em específico.

Mesmo com um tom mais aberto, os abundantes contrastes entre luz e sombra da pegada noir, também marcam presença. O uso do espaço negativo é bem inteligente. Além das cores, a fotografia é brilhante em cada enquadramento. Algumas dualidades são evidenciadas por um equilíbrio kubrickiano. Roger Deakins tem que ser finalmente premiado.

O design de produção é igualmente complexo. Cada objeto – e o número é assustador – gera vida aos cenários. Dá vontade de pausar a tela e decifrar tudo que vemos. Vale uma revisitada no filme só por esse “detalhe”. Repare nos painéis com as marcas, como fanservice, referenciando às que estavam no filme anterior. E a velha máxima de não datar elementos continua valendo, aqui o reforço atemporal é até irônico dada a marca no título.

Os efeitos dão o necessário tom futurista. Por exemplo, Joi (Ana de Armas) tem uma composição robótica que vai além do que já tínhamos visto, talvez se assemelhando a Ex Machina. A movimentação, os traços que marcam a condição e principalmente uma interação em específico, têm um ar novo, sem soar caricato (pelo menos em 2017). Os cenários que envolvem água, combinam méritos nas três frentes: efeitos, design e fotografia.

Mas Blade Runner 2049 não é só um rostinho bonito, a trilha sonora, icônica outrora, continua potente. Os arranjos em momento algum querem gritar mais que a história. E traçam as mudanças de ambiente sem soar óbvio. As canções, diegéticas, combinam em letra e melodia com o que está se passando. Na parte dos efeitos sonoros, temos uma mixagem trabalhando de maneira clara. Não há uma bagunça auditiva mesmo com muitos potenciais sons na tela.

Repararam que ainda não falei da história? São tantos outros elementos que vale dividir espaço. E mais do que isso: cada um desses fatores técnicos culminam em um jeito melhor de contar a trama e de transmitir as emoções – como aliás todo filme deveria fazer…

A busca continua como um dos temas principais. Seja a busca por outros personagens e objetos, seja a interna, reflexiva. A questão das memórias ganha corpo e faz parte do cerne de Blade Runner. Dramas familiares, amores, religião e interesses vários também integraram o rol dos assuntos aqui. A trama se encaminhava para um desenho linear, porém, sem dar spoiler, há viradas que confesso que me pegaram.

Outro ponto digno de elogio (o que não é elogioso aqui…) fica na conta das explicações. Uma das principais armadilhas de roteiro ocorre quando a trama a cada minuto estanca para contar ao público o que está se passando, meio que duvidando da inteligência alheia. Na outra ponta, obras herméticas que exigem manuais que só existem na cabeça de quem produziu, afastam a plateia… Blade Runner 2049 se equilibra bem no curto fio do meio termo.

O elenco é bem recheado. Claro que com um tempo de tela bem diferente para cada um. Porém, diferente de um Kingsman: O Círculo Dourado, cuja participação de alguns atores soou bastante desnecessária, aqui cada um tem uma função bem delimitada e que mesmo ausentes em tela, a presença continua reverberando.

Dave Bautista usa o físico, mas de forma totalmente oposta do que em Guardiões da Galáxia. Jared Leto tem uma composição que beira a caricatura, mas sequer esbarra no desastre do Coringa de Esquadrão Suicida (UFA!). Robin Wright imprime uma imponência com movimentos simples, reparem na postura e tom de voz da atriz. Ana de Armas exala carisma sem vulgaridade.

Apesar dessa escalação estrelar, os olhos estão voltados para  Harrison Ford e Ryan Gosling. O trailer e todo o material de divulgação trazem a figura de Ford estampada. Ele não está em todo o filme, mas tenham calma que ele aparece…e cada cena dele tem um peso dramático. Não acho que valha indicação ao Oscar, porém é ótimo ver o nosso Solo, Jones e, claro, Deckard nos holofotes novamente.

Gosling também dá um show. Mesmo sem sapatear e tocar piano (apesar que ele aperta umas teclas), vejo alguma chance dele voltar ao Oscar. Toda a construção que o roteiro faz do personagem K. seria jogada fora se ele não segurasse na linha de frente. Várias vezes a atuação dele poderia descambar para soluções fáceis, mas o que vemos é um sentimento sincero, em gritos, olhares e lutas.

Impossível não cogitar Oscar para este filme. Arrisco que ele estará presente nas categorias de som, trilha, fotografia, efeitos, ator, direção e, claro, filme. Ganhar? Deveria, mas aí é outra história…. se eu pudesse daria 2049 estrelas para ele… e sim, respondendo a pergunta do título: é o melhor filme do ano (claro, pelo menos até agora).

Se quiserem me ver (e não só me ler) falando sobre Blade Runner, gravei um vídeo junto com o pessoal do Razão de Aspecto, onde debatemos sobre o longa, alerta de spoiler no vídeo:

  • Nota Geral
5

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