CHARLOTTESVILLE - O Cinema Já Havia Nos Alertado
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CHARLOTTESVILLE – O Cinema Já Havia Nos Alertado

No final de semana de 12 à 13 de Agosto de 2017 estive em um Congresso em Vargem Grande Paulista / SP e fiquei dois dias longe da internet, recebendo encorajamento para amar o próximo, ter empatia e ajudar os que estão passando por dificuldades, sejam financeiras, sejam emocionais. Sai de lá com esperança de que pessoas boas podem fazer a diferença no mundo e assim estarmos dispostos a ajudar o máximo de pessoas possível e de forma altruísta. Mas no caminho de volta à casa decido abrir o Twitter quando notei que a hashtag que inundava minha timeline era #charlottesville.

 

Aquilo me soou estranho e uma sensação ruim invadiu meu peito. Não sabia o que era, mas senti que era algo terrível. Vi amigos meus comentando “como deixamos isso acontecer?”, “o ser humano é horrível”, “onde nós erramos”, “não aprendemos nada com a história”, enquanto isso meu coração só acelerava. Quando entendi o que estava acontecendo, fiquei sem chão.

 

Se você ilustre leitor e leitora está lendo este texto é bem possível que já saiba do estou me referindo, mas caso não saiba, no final de semana de 12 à 13 de Agosto, houve uma manifestação na cidade de Charlottesville nos Estados Unidos onde nacionalistas, neonazistas, supremacistas brancos e simpatizantes se concentraram numa praça, em torno da estátua do general confederado Robert E. Lee, um dos principais defensores da escravidão, para manifestar desprezo por negros, judeus, estrangeiros e homossexuais, com gritos de puro ódio. Como resultado, 3 pessoas que tentavam impedir as manifestações foram mortas, dentre essas a ativista dos direitos  civis, Heather Heyer de 32 anos.

 

Neste momento, você deve estar se perguntando “o que isso tem a ver com CINEMA?”. Pois bem, decidi escrever esse texto por um único motivo – fomos avisados que isso aconteceria! Em anos recentes, pelo menos 3 filmes (dois deles baseados em fatos reais) no mostraram que esse ódio intrínseco no ser humano pode ser despertado caso ele seja estimulado. Isso pode servir de alerta para que nós possamos identificar elementos que poderão culminar no que aconteceu em Charlottesville e lutar para que isso não volte a acontecer, nem conosco e nem com pessoas próximas a nós.

 

Por exemplo o filme alemão A ONDA (Die Welle, 2008) foi baseado em um experimento ocorrido em 1967 na Califórnia, onde o professor de história Ron Jones pretendia abordar o fascismo em suas aulas. Devido a dificuldade dos alunos em compreender o que levou os alemães ao regime fascista e para provar que o problema não estava na nacionalidade alemã e sim no quão influenciáveis nós somos, o professor promoveu uma espécie de grupo composto por alunos que iria regi-lo por meio de organização, disciplina e orgulho nacionalista. Esse grupo iria “se fechar” entre eles para assim fortalecer-se e criar uma união sólida. Em pouco tempo o experimento mostrou que o fascismo nasce de uma ideia autocrata apoiada por pessoas insatisfeitas com as condições presentes.

A ONDA (Die Welle, 2008)

 

No filme, alunos que defendiam o anarquismo e desprezavam o nazismo, ao passo que iam adentrando o universo de poder e autoritarismo, seus conceitos iam mudando e sua ideologia se adaptando, mostrando que mesmo nos dias atuais, regimes fascistas como o nazismo poderiam voltar a existir.

 

Outro filme baseado em fatos reais é o filme O EXPERIMENTO DE APRISIONAMENTO DE STANDFORD (The Stanford Prison Experiment, 2015). Nesse filme temos mais um alerta de que pessoas comuns envolvidos em situação de extrema pressão, descontentamento e influenciados pelo poder a eles concedido, podem se tornar violentas e fascistas.

O EXPERIMENTO DE APRISIONAMENTO DE STANDFORT (The Stanford Prison Experiment, 2015)

 

Este experimento realizado em 1971 consistia em selecionar voluntários para uma simulação de prisão onde um grupo seria composto por guardas e outro por prisioneiros. A ideia é avaliar o comportamento das pessoas diante da desindividualização delas. De forma abrupta, o experimento saiu de controle e questões de preconceito raciais e étnicos foram levantadas, o que mostra que pessoas normais se tornam pessoas horríveis de acordo com o ambiente onde elas são inseridas.  É assustador vermos ao final dos créditos do filme os depoimentos das pessoas que estiveram envolvidas no experimento.

 

O terceiro e último filme não é uma história real, mas podemos facilmente identificar elementos dele presentes em nossa realidade. O filme se chama ELE ESTÁ DE VOLTA (Er ist wieder da, 2015). O filme mostra um presente hipotético onde Hitler viajara no tempo e viera para nossos dias.

ELE ESTÁ DE VOLTA (Er ist wieder da, 2015)

 

O filme é baseado no livro do escritor alemão Timur Vermes lançado em 2012. Aqui temos um humor ácido por essência, pois temos na figura do Hitler um personagem cômico que usa do humor na internet para atrair o público e convence-los de seus discursos de ódio. A ideia do autor é mostrar que com um discurso de ódio camuflado de piada, um líder nazista pode atrair muitos seguidores.

 

Isso fica bem claro quando o filme quebra a narrativa ficcional e mistura-na com a realidade ao levar o personagem de Hitler para as ruas de Berlim para coletar depoimentos de pessoas reais diante da figura do ditador. É assustador ver pessoas se identificamos com discursos de ódio, atraídos pelo carisma de quem os profere. E é muito fácil encontrarmos pessoas influentes na internet e até na política utilizando de discursos carismáticos para disseminar discursos de ódio.

 

O objetivo desse texto não é simplesmente indicar filmes, ou fazer críticas deles. O objetivo é que reflitamos nesses e em outros filmes que se propõe a isso, e acima de tudo reflitamos nas nossas próprias ações para que de alguma forma não contribuamos para esse tipo de manifestação. Não devemos achar que quando alguém disser que “isso é de preto” não achemos que é apenas brincadeira, ou quando alguém disser que “determinada raça, ou grupo deveria deixar de existir” e achemos que é apenas uma forma de se expressar. Talvez não tivéssemos levado isso tão a sério, mas a verdade é que fomos avisados.

 

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