O FILME DA MINHA VIDA (2017) e a Pessoalidade do Cinema
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O FILME DA MINHA VIDA (2017) e a Pessoalidade do Cinema

“Toda crítica é uma autobiografia do seu autor” – Oscar Wilde

 

Este texto começa com essa frase do escritor, poeta e dramaturgo britânico Oscar Wilde que levo comigo sempre que vou assistir a um filme, e entenda assistir como um exercício de refletir a obra, durante e após a exibição. O que Wilde diz com essa frase é que quando refletimos um filme, seja na forma de texto crítico ou como reflexão pessoal, nossa experiência de vida se refletirá no efeito que o filme causará em nós de forma individual, o que possibilitará que uma mesma obra possa ver vista e sentida de maneiras distintas dependendo de quem o assiste.

 

Usemos como exemplo o filme O FILME DA MINHA VIDA (2017) dirigido e escrito por Selton Mello e baseado na obra literária de Antonio Skármeta (nome do livro é UM PAI DE CINEMA). No filme o jovem Tony tem uma vida tranquila e harmoniosa no interior das Serras Gaúchas nos anos 60 mas após seu pai ir embora deixando-o para trás junto com sua mãe, Tony se vê numa jornada pessoal de amadurecimento ao mesmo tempo que precisa lidar com a ausência do pai e com a solidão da mãe.

 

A ideia aqui não é fazer uma análise crítica do filme e sim mostrar como um filme pode ter efeitos distintos em decorrência da individualidade de seu público. Para isso vamos nos valer da visão de pelo menos 3 autores aqui do Cinem(ação). Dois deles definitivamente não gostaram do filme, e elencam diversos elementos que justificam suas experiências negativas ao ver o filme, como pieguice, pedantismo e melodramatismo. Outro já é um pouco mais comedido nas suas críticas mas enxerga problemas com o que o filme se propõe a entregar e o que ele realmente entrega. Segundo os autores, o filme não lhes transmitiu sentimento algum, e nesse ponto que quero me atentar – SENTIMENTO! Apesar do cinema ser uma obra coletiva, que passa pelas mãos de centenas de pessoas, ele ainda é a visão de alguém diante de uma história. Em O FILME DA MINHA VIDA, a história é contada pelo ponto de vista do diretor Selton Mello, e mesmo o filme sendo uma adaptação de uma obra literária, segundo o próprio diretor, ele precisou ir “além das páginas do livro” alterando alguns elementos contidos no livro, sem alterar a essência dos personagens criados pelo autor Antonio Skármeta. Ou seja, estamos vendo o que o diretor sentiu ao ler o livro, o que reflete na forma como ele apresenta a história.

O FILME DA MINHA VIDA é um filme sobre momentos e não resoluções.

 

Quando alguém argumenta que a linguagem é carregada demais de emoção eu confirmo que ela é carregada demais de emoção. Me emociono sim quando um garoto sai de uma sala de cinema, após pela primeira vezes tocar a mão de sua amada e se sente como que carregado pela emoção fazendo-o flutuar. Ou mesmo quando alguém (não revelarei quem) abre mão da sua própria liberdade em favor da pessoa amada. Eu realmente me emociono quando um filho toma conta de sua mãe e se preocupa com cada palavra proferida para não causar-lhe mais dor além daquelas que a vida já lhe impôs. Sinto os pelos do braço arrepiar-se quando observo uma analogia tão bela como a feita pelo saudoso Rolando Boldrin que se diz realizado por ser maquinista de um trem que carrega histórias e transporta pessoas de um ponto ao outro para que concluam suas histórias. E o que é a vida senão sucessões de eventos que nos levam de um ponto ao outro? Vou além, o que é o cinema senão um trem onde embarcamos para que nos leve de um ponto ao outro expondo-nos o que acontece entres esses pontos?

 

Aqui chego no ponto alto e mais pessoal do filme. Na arte e na vida, não importa de onde você parta e para você vai, se não observarmos o acontece no entremeio, aquele trajeto se perderá nas lembranças. Ninguém vê o filme apenas pelo começo e parte para o fim (pelo menos não deveriam fazer isso), por que o que realmente importa é como a história chegou ao seu fim. Em O FILME DA MINHA VIDA, Selton Mello prioriza essa observação do trajeto e não necessariamente o fim dele.

 

A belíssima cinematografia de Walter Carvalho é um alento balsâmico para nossos olhos que contemplam aquele cenário maravilhoso em sépia e com um esfumaçado onírico que confere uma viagem no tempo. Há cenas que parecem quadros pintados à mão por um artista talento. Uma em especial que me emocionou bastante é uma do pai (Vincent Cassel) ensinando seu filho a andar de bicicleta. É lindo por que é um pai ensinando metaforicamente um filho a lidar com seus medos sabendo que a existência deste medo pode ser benéfica servindo de proteção, e no momento de maior medo do jovem adulto a forma como ele encara esse medo é utilizando uma moto, reforçando seu crescimento e ainda confiando no que seu pai que lhe ensinara ao andar de bicicleta. E isso é muito especial para mim que passei por uma separação de pais aos 18 anos e fiquei com essa carência afetiva da presença de uma figura paterna. É novamente o cinema explorando o lado pessoal do espectador.

O Filme da Minha Vida, novo filme de Selton Mello - Johnny Massaro

A belíssima cinematografia é um alento balsâmico para nossos olhos que contemplam aquele cenário maravilhoso em sépia.

 

Cinema não é uma arte fria, analisada como se fosse uma matemática exata. Não devemos ver os filmes com a frieza de como olhamos um gráfico analítico. Quando observarmos uma bela cinematografia, busquemos entender o porque daquela estética, o que o diretor quer passar com ela e qual o sentimento que ele quer transmitir. Se ele utilizar de um contra-plongleè, plano aberto, ou em sequência, não apenas identifica-lo mas senti-lo e entender a mensagem por trás daquele movimento. Portanto ilustre leitor e leitora, não leve uma análise crítica tão à serio. Assista a filmes de coração aberto. Nada substitui a SUA experiência diante de uma obra cinematográfica, e mesmo que você não goste do filme, ao embarcar no trem da sétima arte, essa experiência é SUA e só VOCÊ poderá dizer como ele foi.

 

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