'Come as you are': 3 docs imperdíveis sobre Kurt Cobain - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Cinema Mundial

‘Come as you are’: 3 docs imperdíveis sobre Kurt Cobain

Elvis, Hendrix, Joplin, Morrison, Sid Vicious…

Na história são poucos os artistas que podem ostentar o adjetivo legendário. Quase como a eficácia de uma regra matemática, grande parcela dos mitos criados pelo Rock aceitaram involuntariamente a responsabilidade de ser porta-vozes de toda uma juventude, assim influenciaram várias gerações, mas não conseguiram suportar o pesado fardo e acabaram se perdendo em suas próprias contradições.

Nessa lista seleta de artistas geniais merece estar um certo moço loiro franzino de Seattle, que no conturbado começo dos anos 90, colocou o mundo para cheirar a “espírito jovem”… graças a um peculiar mix composto por letras introspectivas, críticas sutis a sociedade americana da época, riffs poderosos e uma inesquecível voz rouca.

Kurt Donald Cobain, se estivesse vivo, completaria nesta semana (20/02) cinquenta anos de existência. Aos 24 anos, graças ao fantástico álbum ‘Nevermind’, Cobain fez uma banda punk de Seattle ser sinônimo de todo um extenso e despretensioso movimento musical, o Grunge, que até hoje reverbera, quase trinta anos após seu ápice comercial.

Aos 27 anos, Kurt voltou a chocar o mundo. Dessa vez não o fez berrando letras anti-mainstream como de costume, mas, de maneira inflexível, se silenciando para sempre. Curiosamente, Nirvana é um termo originário do Budismo que, numa tradução simplificada, significa libertação do sofrimento: um estado espiritual de calma, paz e pureza de pensamentos. Antagônico ao seu conceito original, o Nirvana de Cobain foi um carma corpulento, cujo o artista não soube lidar e acabou sucumbindo.

Dentre as várias produções sobre a efêmera trajetória de Kurt Cobain, selecionamos 3 documentários, que se propõem fugir do estigma de apenas ser mais uma homenagem, e exercitam a arte de fazer cinema, utilizando um dos personagens mais enigmáticos do universo musical.

LOAD UP YOUR GUNS AND BRING YOUR FRIENDS!!!





Hype! (Estados Unidos, 1996)

Com altos índices de violência urbana, desemprego e sem grandes perspectivas para a juventude da periferia, Seattle era uma das cidades mais pobres nos Estados Unidos entre os anos 70 e 80. A partir deste contexto ‘Hipe!, dirigido pelo americano Doug Pray, apresenta o movimento grunge como a prole de uma  geração, que abraçou o punk como a única coisa de interessante ofertada.

Devido a um competente resgate histórico exibido pela película, conhecemos MudHoney, Melvins, Green River e mais algumas bandas que se destacaram no cenário pré-Nirvana. Usando a lógica do ‘Do It Yourself‘, (Faça você mesmo) esses grupos lançaram gravadoras próprias, organizaram festivais e chamaram atenção da mídia para o que estava acontecendo nos arredores de Seattle.

Algum tempo depois, Seattle tornou-se a menina dos olhos dos empresários da música. O grunge virou sinônimo de moda e referência cultural da América Pós-Guerra Fria. ‘Hype!‘ também aborda esse aspecto, e o quanto a questão incomodava os artistas locais, que ganharam muito dinheiro, mas viram todo um discurso de contracultura ser absorvido pela indústria da música pop.

Muito mais que um excelente documentário expositivo, ‘Hype!’ é uma singular aula  para entender o contexto histórico em que Nirvana, Pearl Jam, Alice in Chains, bandas que estouraram no fim do milênio, estavam inseridos.



Kurt Cobain – Retrato de uma ausência (About a Son. EUA, 2006)

Ao decorrer dos pouco mais de 90 minutos deste documentário com tons impressionistas, dirigido por A.J. Schnack, você terá a sensação que está imergindo numa grande sessão de terapia. ‘Retrato de uma ausência’ é fruto de uma entrevista de mais de 25 horas concedida pelo líder do Nirvana a Michel Azerrad, na época jornalista da revista ‘Rolling Stone’, cerca de um ano antes do trágico suicídio.

São raras as vezes que um documentário consegue desnudar uma personalidade tal qual fez ‘Retrato de uma ausência’. Como se estivera numa espécie de confessionário, Kurt Cobain desabafa e faz um balanço de toda a vida, desde a infância problemática até conseguir a repentina aura de rockstar.

Courtney Love, viúva e herdeira do portfólio do vocalista, não liberou as imagens da gravação. Porém, o que era para ser um grande problema, foi solucionado de maneira brilhante pelo documentário: Todas as histórias narradas por Cobain são ilustradas com inquietantes ilustrações abstratas, além de vídeos, fotografias das cidades, pessoas, ruas, lugares, livrarias e paisagens citadas pelo artista.

A combinação acaba exercendo um interessante efeito de um surreal  videoclipe baseado em insights e memórias afetivas do cantor. Escapando totalmente dos clichês dos documentários convencionais, ‘Retrato de uma ausência’ é uma belíssima obra minimalista e uma maneira de perceber um Kurt Cobain humanizado, longe dos estereótipos míticos ou preconceituosos que rondam sua figura.



Montage Of Heck (EUA, 2015)

Tendo acesso exclusivo a 200 horas de canções inéditas, filmagens familiares particulares, mais de 4.000 páginas de anotações e desenhos realizados por Cobain desde a infância, o documentarista Brett Morgan demorou oito anos para finalizar ‘Montage of Heck’, a única cinebiografia realmente autorizada pela família do frontman do Nirvana.

Com boa repercussão nos festivais de Sundance e Berlim, Montage of Heck consegue escapar da alcunha de ser uma obra oficial chapa-branca, exibindo um intenso registro visceral da vida de Cobain. Excelentes entrevistas com parentes próximos, amigos e o companheiro de banda Krist Novoselic desvendam detalhes da personalidade, e não poupam o telespectador de questões complicadas envolvendo a trajetória do artista.

A separação conturbada dos pais, a complicada relação com a madrasta, que o expulsou de casa na adolescência e a vida escolar isolada de amigos conversam com o invejável talento que Kurt Cobain tinha para artes em geral. Sem se esquivar de um possível receio de soar sensacionalista, Montage of Heck também explora também a polêmica relação amorosa entre Kurt Cobain e Courtney Love e o envolvimento do cantor com drogas desde a tenra idade.

Algumas passagens importantes e inusitadas são reconstituídas com animações, que fornecem um tom poético ao filme. Novas versões instrumentais de clássicos como ‘All Apologies’ e ‘Lithium’ foram compostas pelo músico Jeff Danna, de forma exclusiva para o documentário, e concedem uma sensação de saudosismo e melancolia complementando a obra.

Em suas quase duas horas e meia de duração, Montage o Heck é fiel ao que se compromete como proposta inicial, e consegue assim ser uma boa caricatura da breve, complicada e inesquecível passagem de Cobain na Terra.

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