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Crítica: O Outro Lado do Paraíso (2016)

O Outro Lado do Paraíso é melhor tecnicamente do que no enredo. Aliás que história ele quer contar?

Direção: Andre Ristum
Roteiro: Marcelo Müller, José Rezende, Andre Ristum, Ricardo Tiezzi
Elenco: Eduardo Moscovis, Davi Galdeano, Flavio Bauraqui, Murilo Grossi, Camila Márdila, Maju Souza
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 02 de junho de 2016

Sinopse: na década de 60, o menino Fernando, a partir de um sonho do pai, sai do interior de MG com a família para tentar a sorte na nova capital do país, Brasília. Amores, política e livros farão parte da nova vida daquela família.

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“Meu Deus mas que cidade linda!
No Ano Novo eu começo a trabalhar
Cortar madeira aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga”

Esse pequeno pedaço do não tão pequeno Faroeste Caboclo – música do Legião Urbana – vem à mente quando a família de Fernando chega em Brasília, até as luzes, também ressaltadas na canção, tem destaque especial aqui. Tal qual o protagonista da história narrada por Renato Russo, a vida da família é recheada de paixões, sonhos e desventuras. Já encarar Brasília como um santo lugar coaduna com as profecias de fundação da cidade, proferidas por Dom Bosco. “Quando escavarem as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá aqui a grande civilização, a terra prometida, onde jorrará leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.

Uma família do interior que tenta a sorte na cidade grande. Você já viu essa história, talvez até na própria família. Acrescenta o fator religioso sobressaindo à razão e temos um retrato de uma parcela da sociedade brasileira. Em um primeiro momento, e em certa instância, a história de O Outro Lado do Paraíso é isso.

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Narrado pelo Fernando mais velho, décadas depois, a trama se detém muito tempo nos dilemas adolescentes dele. Não entenda por adolescência uma infantilização boba. Os momentos retratados de descoberta e a evolução dele são interessantes, água com açúcar, mas interessantes, e até fora do normal para um garoto de 12-13 anos. Agora a narração em si é um elemento desnecessário e redundante. Outro ponto que pesa negativamente é a narrativa querer empurrar goela abaixo a questão política. Os focos quase ginecológicos na capa de O Capital de Karl Marx ou dualismo superficial que trata o tema ditadura/comunismo. Se a história optasse pelo drama adolescente ou pela questão política poderia se sair melhor em ambos.

Todavia o ponto mais fraco do longa são os personagens. Começo citando Sueli, interpretada pela Camila Márdila. Ela fez a Jéssica em Que Horas Ela Volta?. Aqui completamente limitada a uma cara de nada, submissão e estranheza. Algo muito aquém do talento dela, simplesmente pela falta de material para trabalhar. Os demais ou são monotônicos: a mãe, o sindicalista Jorjão, o padre Alberto, A professora, o soldado/namorado… ou não tem função: o irmão mais novo, a outra professora, o avô de Fernando…

A crítica não se aplica em parte a dois personagens: o pai Antonio Trindade (Eduardo Moscovis se mostrando firme) e a namorada/amiga de Fernando, Iara (Maju Souza). Mesmos rasos, passam emoção e empatia. Tem características distinguíveis – diferente dos outros personagens. E a falta de desenvolvimento não é um problema do protagonista. Nando (Davi Galdeano) rouba a cena e apresenta uma evolução notória, justificada e cativante. Quando o ator mirim interage com os demais apresenta uma expressividade específica com cada pessoa ou situação.

A direção em O Outro Lado do Paraíso mais erra do que acerta. O diretor Andre Ristum usa uma televisão para mostrar o contexto político da época, com imagens reais. O sagaz artifício diegético perde força por nos tirar da imersão da história e por repetir um pouco além da conta tal recurso. A falta de aproveitamento dos personagens é agravada pela abundância dele. Tem um momento de pura emoção do pai com os filhos e esposa. A cena fica torta, pois o pai ignora parte das crianças.

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O design de produção é cuidadoso. Quem conhece Brasília reconhece diversos elementos sutis que engrandecem o visual – quase um fanservice urbano. Desde a terra vermelha e a poeira subindo, passando pela rodoviária e até a explicação de que Brasília e o Distrito Federal não são sinônimos (aquela é parte deste). Além disso, a ambientação da época está muito condizente. Vale a nota de que alguns problemas da cidade, como a ausência de espaços para leitura nas zonas periféricas, perpetuam desde aquela época. E acho que o ônibus que aparece ali deve estar rodando até hoje… A fotografia não é espetacular, mas é muito boa. A paleta amarelada permeia a maior parte do longa. E pode-se notar um tom mais acinzentado após uma notícia triste e uma brancura simultânea a um momento de revelação – quase divina. Já a trilha é outro elemento que se destaca com força. Nunca antecipando o sentimento e aumentando de tom no momento preciso. As músicas também entram em situações pontuais.

O Outro Lado do Paraíso não chega a ser um filme ruim. No todo a experiência é mais proveitosa que decepcionante. Mas a boa qualidade de produção fica em meio a um roteiro que deixa a desejar e uma direção inconstante. Todavia, por permitir apreciar muitos aspectos, pode valer o ingresso.

 

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