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Crítica: O menino e o Mundo

O Menino e o Mundo, produção nacional, foi indicada ao Oscar deste ano na categoria Melhor Animação.

Ficha Técnica: 
Direção e Roteiro: Alê Abreu
Elenco (vozes): Vinicius Garcia, Felipe Zilse, Alê Abreu, Lu Horta, Marco Aurélio Campos
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 17 de janeiro de 2014 (mas de volta em alguns cinemas no começo de 2016)

Sinopse: a jornada de um menino do interior em busca do pai que foi trabalhar na cidade grande. Mostrando a descoberta, pelo garoto, de novos mundos – nem sempre felizes – e sensações das mais diversas.

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O que é arte? Uma definição única e precisa é quase impossível de ser dada. Mas temos em O Menino e o Mundo uma bela representação artística no sentido mais estrito que eu conheço. Alê Abreu fez um trabalho incrível aqui e adianto: ele mereceu a indicação ao Oscar. Abreu, quase que literalmente, pintou o set. 

Com uma obra feita com desenhos e traçados infantis (utilizando lápis de cor, giz de cera) somos transportados para um onírico mundo de um menino. E cada vez mais vamos nos reconhecendo naquele garoto e nos sensibilizando com a história, que poderia ser ou foi de muitos de nós.

A narrativa tem como premissa a saga do menino do interior em busca do pai. Este foi para a cidade grande em busca de emprego. Mesmo sem ter praticamente nenhum diálogo sentimos o peso que aquele momento tem na vida daquela criança. Temos até algumas “falas”, mas em um idioma desconhecido. Todavia entendemos, pelas singelas expressões, cada letra que é dita. Algumas linguagens são universais…


Menino_Mundo_família

 

Esta empreitada perpassa diversos lugares. Claro que ele não viaja por todo o mundo, mas junto com olhar ingênuo do menino vamos descobrindo que cada ambiente que ele entra é um novo universo (para ele que só conhecia um microcosmos de uma região do interior e para o público que vai conhecendo novas formas em tela). A cena inicial, inclusive, causa um estranhamento misturando um psicodélico com algo subatômico.

A segunda metade do filme expande para um locus mais urbano. E a história envereda para um clima até um pouco soturno em alguns momentos. Há críticas ao consumismo com propagandas bem caricaturais, itens e preços aparecendo de forma bizarra. E, principalmente, o caos brotando na nossa frente e ficando cada vez mais virulento. Tem uma cena que um personagem está andando livremente de bicicleta e de forma ríspida se depara com um trânsito infernal, de uma forma que nos incomoda. A desigualdade social também é exposta aqui em diversas metáforas.


menino e o mundo cidade

 

A crítica aos aspectos negativos da modernidade é tanta que são mostradas cenas de documentários reais. E se, até então, quiséssemos nos cegar para o que está sendo mostrado e colocar em dúvida se que o mundo ali presente era algo apenas de um futuro distante ou fantasioso, tomamos um choque nada sutil. Percebemos que precisamos de um olhar de um menino para ver que o nosso momento atual é um presente de grego.

O longa é extremamente visual, até o som é abstrativamente concreto (e ajuda na narrativa). O jeito que foi animado, com recursos “simples” também é um modo de questionar o nosso anseio por tecnologia. E compramos a ideia rapidamente, tanto que quando aparece pela primeira vez um artefato tecnológico, um carro voador, sentimos uma sensação de estranheza maior do que os elementos lúdicos anteriormente inseridos na trama.


menino e o mundo arte

 

A trilha e os som de um modo geral também ajudam muito a compor a narrativa. Vale conferir a música “Aos Olhos de uma Criança”, do Emicida. Destaco o trecho:


Selva de pedra, menino microscópico
O peito gela onde o bem é utópico
É o novo tópico meu bem
A vida nos trópicos
Não tá fácil pra ninguém

 

Como se esses elementos não bastassem para elogiar a direção do Alê Abreu ela também é eficaz em detalhes sutis. Destaco dois: um zoom out em uma favela, após uma cena que mescla diversos sentimentos e uma claridade superexposta em um determinado momento, mais para o final da trama, que os personagens entram em um ambiente. Cenas que poderiam ser retiradas sem grandes prejuízos, mas que a presença delas reforçam o subtexto (sub?) desta magnífica obra.

 

Dificilmente o Brasil levará o Oscar para a casa este ano, não por demérito aqui, mas muito por qualidades do favorito Divertida Mente. Contudo, o gosto amargo da ausência do Que horas ela volta? Na categoria de filme estrangeiro é, de certo modo, aliviado pela indicação desta doçura açucarada de todas as cores e sensações que é  O Menino e o Mundo.

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