Crítica: Caché
Críticas

Crítica: Caché

por Bárbara Pontelli

Caché (Nada a esconder)

Lançamento: 2005

Direção: Michael Haneke

Roteiro: Michael Haneke

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Caché é o resultado de uma co-produção Alemanha/ Áustria/ Itália e França sob a direção de Michael Haneke (Amour, 2012). Um suspense com um drama psicológico muito atípico para aqueles paladares acostumados com os suspenses americanos, Caché é impregnado pelo típico cinema francês: enigmático, abstrato, lento e fortemente conceitual. Muitos o acharão muito parado, caso não esteja familiarizado ao “estilo Haneke”, certamente sentirão falta de um desenrolar mais dinâmico e objetivo.

Particularmente acho o filme sensacional. É possível explorar inúmeras questões: o viés social e cultural, a questão do egoísmo, hipocrisia e as sensações que provocam frente à um filme de impacto absurdo! É impossível ver um filme como esse e não levar certo tempo para digerir tantas mensagens…

O filme, basicamente, narra o drama que uma família da alta classe média passa a enfrentar após receber gravações anônimas com imagens de sua casa e da rotina da família – sem mensagens escritas ou ameças formais: apenas imagens; o que já é o suficiente para deixar qualquer um no mínimo assustado. Em seguida, as gravações em fitas evoluem para cartas com desenhos sinistros e telefonemas estranhos. Sem ter ideia do que acontece, a família vai à polícia que se diz incapaz de colaborar nesse caso. Típica família nuclear, temos o pai – Georges (Daniel Auteuil) – apresentador de um programa de TV que comanda discussões sobre o mundo literário e promove encontro com autores; a mãe (Juliette Binoche)é uma escritora; e o filho – Pierrot (Lester Makedonsky) filho único, deve ter uns 14 anos de idade. O mundo deles é rodeado por livros, ótima educação, vida social e nota-se que existe uma atmosfera intelectual muito presente. A vida de todos está em perfeita sincronia e não há problemas mas as coisas começam a mudar quando recebem essas gravações: a estrutura da pseudo-família-perfeita começa a ruir.

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Embora o enredo, de fato, pareça um pouco esquisito demais a princípio, há toda uma explicação lógica para essa série de acontecimentos sinistros. Georges esconde (caché = escondido em francês) situações do seu passado que provocaram esses eventos. Quando criança, Georges morava em uma grande casa envolta por uma fazenda. Seus pais mantinham um casal de empregados que gostavam muito e, tal casal, tinha um filho: Mijad. Georges conta que, em 1961 o FLN teria convocado todos os argelinos para uma manifestação em Paris que teria terminado violentamente e cerca de 200 árabes teriam sido mortos – incluindo o respectivo casal, pais de Mijad. Os pais de Georges teriam procurado por eles em Paris mas sem sucesso. Assim, os pais de Georges decidiram adotar Mijad e passaram a cuidar do menino: lhe deram um quarto, escola….e Georges não gostou. Se sentiu incomodado e começou a inventar mentiras do menino para os pais. O que deveria ser apenas um ciúmes infantil mostrou-se como algo intrigante: Georges mentia bastante e inventava coisas maldosas de modo a querer se livrar do novo “irmão” a qualquer custo. A gota d’água teria sido no dia em que Georges pediu a Majid para que matasse uma galinha – supostamente a pedido dos pais. Majid assim o fez: aparece coberto de sangue e Georges manipula dizendo aos pais que o menino fizera isso apenas para assustá-lo. Georges finalmente conseguiu o que queria e seus pais desistem de ficar com Majid e mandaram-no para um orfanato nunca mais tendo notícias dele.

O ponto, é que as gravações acabaram levando Georges para o apartamento de Majid. Tantos anos depois do fato e o encontro deles é um horror: extremamente arrogante e certo de que Majid é o autor das fitas procurando por vingança, Georges não tenta sequer conversar, ameaça Majid e demonstra que não carrega a mínima culpa ou peso na consciência por tudo que fizera com ele no passado.

Teria sido tão somente intriga de criança? Seria Majid realmente o responsável pelas gravações? Ou de repente o filho de Majid – um jovem agora com seus 18 anos no máximo – agindo assim para vingar a vida que o pai teve por culpa dos caprichos de Georges na infância? Tais questionamentos ficam sem respostas. Mas, na verdade, não é nada disso que importa. O que vemos aqui, são outras questões levantadas entrelinhas por Haneke.

Primeiramente, penso que foi levantado um aspecto histórico importante acerca da sociedade francesa frente ao passado colonial na Argélia e suas relações sociais permeadas por problemáticas as quais procura-se simplesmente abstrair. A ausência de comunicação entre as gerações (vide a cena da conversa de Georges com sua mãe) e o impacto inegável de todos esses fatos na vida passada e atual de Georges.

Segundo ponto a ser considerado – Georges é uma representação daquela família típica e universal de classe média alta promissora e bem sucedida: observamos sempre eles rodeados de livros, de cultura…..de conforto e boa educação. Emprego estável e um filho saudável. Recebem amigos regularmente em casa para jantares e reuniões permeadas por conversas filosóficas e inteligentes. São todos tão intelectuais…entendem sobre política e podem discorrer sobre as injustiças do mundo…certamente escreveram e leram sobre tudo isso. São politizados e humanitários mas tudo só na teoria, só nos discursos bonitos e no rótulo de intelectual. Georges não admite que o mundo exterior – pobre, sujo, sedento por uma chance – invada o seu mundo e o seu conforto ou a paz de sua família. Outro exemplo sutil disso é na cena em que o rapaz de bicicleta tromba com ele na porta da delegacia. Na verdade ele não dá a mínima para os problemas do mundo e sua vida só é abalada quando todos esses atritos externos tentam invadir sua esfera privada.

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O personagem de Majid transmite pena…nota-se que o personagem teve e tem uma vida sofrida e fora privado de muitas coisas graças às intrigas infantis de Georges no passado. E Georges não carrega culpa ou remorso algum! Por mais que, supostamente, tenha vergonha por tudo que fez e possa agir assim para evitar enfrentar, tudo aponta para a frieza e indiferença de Georges para com Majid e tudo e todos que transitam pelo universo dele. Particularmente, penso que Georges é a mesma criança do passado e se esforça para se esconder em seu mundo quente e confortável…se esforça para se esconder e desfrutar de seu mundo quente e confortável. O suicídio de Mijad diante os olhos de Georges e tudo o que ele fora capaz de fazer foi chegar em casa, engolir dois comprimidos e dormir. O egoísmo e indiferença é a representação perfeita na pele de Georges. Ele sente alguma culpa ou peso na consciência? Difícil acreditar. O final é ainda mais intrigante….o que será que o filho de Majid tanto conversou com Pierrot na saída da escola? E, ainda por cima, Pierrot não demonstra nenhum medo ou estranhamento – muito pelo contrário – parece conhecê-lo! Será que podemos supor que Pierrot foi, de alguma forma, conivente com o envio das gravações? Não há respostas e Haneke trabalha justamente com essa intenção.

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A fotografia é caracterizada pelo uso de cores escuras e um tom cru, admiráveis planos estáticos, exploração de longos planos médios e a ausência de trilha sonora torna o filme, como um todo, super angustiante e bastante realista. A tensão se dá tão somente através das imagens e do uso excessivo de longas pausas – tanto pelos personagens que não conseguem digerir as situações – quanto da exposição dos próprios ambientes (um exemplo disso pode ser notado logo no início: durante cerca de uns 5 minutos vemos apenas a imagem estática da casa deles).

O que torna Caché – um filme simples e com um enredo “esquisito” – um suspense espetacular, na minha opinião, é a forma como o diretor fora capaz de levantar tantos questionamentos a partir de um enredo estranho, pobre em diálogos, parado e, mesmo assim, Caché se garante através das imagens. A violência é psicológica, sobretudo. O espectador é tomado por um mistério e por uma agonia nos quais, embora as cenas sejam super lentas e em ambientes comuns, parece que sempre a qualquer momento algo ou alguém vai aparecer/ acontecer em algum canto da tela. É um suspense bastante peculiar e um espectador não acostumado com esse estilo pode achar o filme extremamente chato e sem sentido algum. Haneke geralmente passa sensações que perpetuam mesmo muito tempo depois de assistido o filme. Gosto de filmes que provocam e levantam questões importantes de modo tão sutil, complexo e abstrato – tal como Caché !

PRÊMIOS QUE O LONGA CONQUISTOU*:

*Fonte: www.adorocinema.com

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CÉSAR
Indicações
Melhor Diretor – Michael Haneke
Melhor Ator Coadjuvante – Maurice Bénichou
Melhor Revelação Masculina – Walid Afkir
Melhor Roteiro Origina

EUROPEAN FILM AWARDS
Ganhou
Melhor Filme
Melhor Diretor – Michael Haneke
Melhor Ator – Daniel Auteuil
Melhor Edição

Indicações
Melhor Atriz – Juliette Binoche
Melhor Fotografia
Melhor Roteiro

GRANDE PRÊMIO CINEMA BRASIL
Indicação
Melhor Filme Estrangeiro

FESTIVAL DE CANNES
Ganhou
Melhor Diretor – Michael Haneke
Prêmio FIPRESCI

  

                   

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