Crítica: Frances Ha
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Crítica: Frances Ha

por Bárbara Pontelli

A dinâmica New York dos tempos atuais é o cenário da comédia dramática Frances Ha, lançada em 2013 sob a direção de Noah Baumbach.

Frances (Greta Gerwig) é uma jovem de 27 anos aspirante à carreira de dançarina em uma cia de dança da qual faz parte e ensaia regularmente. Ela divide um apartamento com sua então melhor amiga Sophie (Mickey Sumner). A personagem de Frances nos cativa com seu jeito peculiar mas, ao mesmo tempo, bastante realista e de possível identificação com uma típica jovem da nossa geração. A personalidade de Frances fica evidente já nos primeiros minutos do filme: carismática, engraçada…espontânea, sempre com saídas engraçadas para as variadas situações. Embora já não seja mais tão jovem, ela encara a vida com uma leveza deliciosa. Sempre otimista, não guarda mágoas mesmo passando pelas piores crises: sentimental, financeira e profissional. Esse jeito positivo e até mesmo ingênuo de Frances aponta um roteiro leve, prazeroso de se assistir, mesmo que os dramas vividos pela personagem sejam dignos de desespero e tristeza.

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Logo no início do filme, Frances recusa o convite de ir morar com o namorado e em seguida eles terminam. A amizade de Sophie é importante demais e Frances não a deixaria na mão. Entretanto, um pouco mais adiante, na primeira oportunidade que Sophie tem de morar em um apartamento melhor com outra colega, não pensa duas vezes. Esse é o ponto de partida do drama que Frances vai vivenciar: sem um emprego fixo, sem ninguém para dividir o aluguel, com a família morando longe e sem ninguém para contar, Frances terá que encarar o desafio de – antes de tudo – procurar um lugar para morar.

Na sequência, Frances conhece Lev (Adam Driver) e Benji (Michael Zegen) e surge a oportunidade de ir morar com eles. A todo momento é possível sentir o quanto Frances está deslocada e em descompasso com as pessoas ao seu redor: Lev e Benji vivem do dinheiro dos pais; Sophie se afasta de Frances e está em um novo círculo de amizades…chegam até mesmo a dizer para Frances que ela aparenta ser mais velha do que é.

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É possível observar vários pontos interessantes para além dessas situações aparentemente comuns: o valor da amizadeas dificuldades em se estabelecer em um grande centro urbano, a problemática da aspiração pessoal frente à profissional, processos de amadurecimento e, por que não, o egoísmo tão inerente ao ser humano. A cobrança social bate a porta de Frances o tempo todo. A sociedade cobra para que Frances tenha dinheiro, emprego, namorado….ainda bem que ela é esperta o suficiente para abstrair tudo isso e se recusa a desacreditar em seu maior sonho: ser uma dançarina profissional.

Entretanto, o preço que ela paga é alto e as coisas ficam ainda piores.

Frances contava em ser contratada para a apresentação de final de ano, de modo que esta lhe possibilitaria arcar com as despesas, mas a cia de dança anda sem recursos e o convite acaba não acontecendo. É nesse momento também que Frances irá rever Sophie. Agora namorando, Sophie aparece bastante mudada: não compartilha mais das mesmas piadas de Frances e fica clara a sintonia diferente entre ambas. Aliás, esse foi o primeiro e um dos únicos momentos do filme que Frances não consegue relevar e fica claramente triste com a situação. Ela percebe o quão afastada a melhor amiga se tornou dela…o quanto elas não se identificam mais. Não parece justo uma menina tão doce, esforçada e boa como Frances passar por essas situações. E tem mais: os colegas de aluguel de Frances parecem não dar a mínima para a situação dela e avisam que vão contratar uma diarista. Sem condições de continuar morando com eles, Frances vai passar o Natal com sua família em Sacramento e quando volta, se hospeda na casa de uma colega da cia de dança: Rachel.

A cena seguinte do jantar onde estão Frances, Rachel e seus amigos é impagável, uma sucessão de pequenos momentos que precedem o desenrolar importante do filme. Frances aparece totalmente deslocada nos assuntos…ela mal consegue responder quando lhe perguntam o que ela faz….como ela explicaria a sua situação? Eles compartilham as fotos dos filhos entre si, há na mesa um advogado, pessoas bem sucedidas…e, mais uma vez, as novidades de Sophie caem no seu colo: a amiga está noiva e vai se mudar para o Japão. A sorte de Frances chega a ser absurda e, por isso mesmo, torna tudo tão realista de modo a aproximar o espectador.

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Em meio ao caos, Frances simplesmente resolve que vai para França…sozinha apenas com seu cartão de crédito recém-chegado do correio. Enquanto vaga pelas ruas de Paris, compartilhamos de todas suas crises internas, não há muito o que fazer. Essa é a prova que Frances precisa dar para si mesma de que acredita nos seus objetivos; é o momento em que procura em si a resposta para todas suas crises. Ao voltar, sem ter onde ficar e com a dívida da viagem, acaba se hospedando no dormitório de sua ex-faculdade e trabalhando como garçonete em troca de algum dinheiro. Em um desses eventos, Frances encontra com Sophie. Ela diz que está infeliz no Japão, embora em seu blog apareça sempre sorrindo e esbanjando felicidade. Sophie está noiva mas o casal acaba brigando na festa: Sophie vai para o dormitório de Frances e as duas se recordam nostálgicas dos tempos em que eram próximas e moravam juntas…também traçam planos que ambas sabem que nunca serão realizados. Agora o desfecho se aproxima: após essa breve estadia na Universidade, Frances acaba aceitando a oportunidade em trabalhar no escritório da Cia de dança. Além de agora ter um salário, ela também aproveita o espaço da Cia para ensaiar. O final é lindo: ela coordena uma apresentação, parece mais realizada e – finalmente – consegue alugar seu próprio apartamento.

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O filme preto e branco sugere que a beleza não está nas aparências, na superfície, na estética. Não há cor; há pouco movimento: Frances não consegue sair do lugar, ela sempre está lidando com alguma dificuldade. Uma pegada bem Nouvelle Vague. Frances está fora de todos os padrões, inclusive estético: nunca aparece maquiada, o figurino se repete várias vezes ao longo da trama, alta e desengonçada, parece atrapalhada demais para uma dançarina. E nada disso a torna menos bela – muito pelo contrário – Frances é de uma originalidade única! Ela é naturalmente autêntica, não se preocupa em gostar de determinadas coisas e agir de determinados modos apenas para provar que é interessante. A nossa anti-heroína tem que quebrar muito a cara e se esforçar muito para conseguir as mínimas condições para viver. Ela é como uma amiga que todo mundo tem, que admira, mas que agradece aos céus por não ter a vida como a dela. Diferente dos clichês, o final feliz não é fabricado do nada; é tudo puro esforço dela. É possível um final feliz, mesmo ela não tendo encontrado um príncipe encantado e mesmo não se tornando uma super famosa dançarina – tal como aconteceria nas famosas comédias românticas. Ela contesta os protocolos sociais sem saber e, principalmente, prova que o ponto de vista/ o modo como encara a vida e a sorte em seu sentido literal, possuem muito mais importância que a maioria gostaria de admitir.

Um filme que parece leve e engraçado a primeira vista, na verdade, revela um drama muito mais profundo. Situações que – para os outros – não passam de escolhas erradas e uma “fase ruim” implicam, na verdade, parte de um processo interno de amadurecimento muito mais agudo e importante. Destacam-se: a discussão do conceito de amizade, o egoísmo das pessoas, cobranças sociais/ questionamento dos padrões e – principalmente – o poder que determinada perspectiva influencia a motivação para enfrentar tudo isso. Embora Frances sempre cumpre seu papel de amiga, Sophie nos dá inúmeras provas do quanto Frances tem uma importância limitada. Seria resultado da “ordem natural da vida”, ou seja, fatalmente ao tomarmos caminhos diferentes nos distanciamos daqueles que antes assumiram tanta importância em nossa vida? Ou seria questionável essa “amizade” de Sophie pela Frances? Ela deixou Frances na mão quando mudou de casa sabendo que Frances não tinha condição de assumir um aluguel sozinha, ao iniciar um relacionamento perde toda a essência de sua personagem…simplesmente observa a vida distanciar Frances e não faz nada. Poderia ela ter agido diferente em nome da suposta amizade que sente por Frances? O egoísmo das pessoas também toma forma em diversos momentos. Ninguém parece se compadecer por Frances: Sophie não hesita em mudar de casa, os meninos não hesitam em aumentar o aluguel para contratar uma diarista….a vida não hesita em sempre fazê-la confrontar-se que está só. Um grande centro urbano não tem espaço em compartilhar e ceder nada. Tempo é dinheiro e no final só se pode contar consigo mesmo. A sociedade atual está sempre pronta em suas cobranças: um bom emprego, estar em um relacionamento, seguir os caminhos mais seguros….ao fugir de tudo isso Frances paga – justamente – vivenciando todos os dramas do filme. “Undateable”… até surge essa piada: que ela é “inamorável”. Não acho que Frances seja “inamorável”, aliás, ela é a personagem com uma beleza interna e externa mais admirável de todo o longa! Ela não está casada, não tem filhos…nem está com alguém apenas por conveniência, conforto. Frances caminha contra 90% da sociedade: ela não dá a mínima para as aparências. O discurso sobre relacionamento no jantar de Rachel deixa todos boquiabertos, por mais “bem sucedidos” quem eles sejam, nenhum deles compartilham da inteligência e maturidade emocional que essa moça de 27 anos “undateable”. E é pela forma como ela encara tudo isso, tão ousada e enérgica, que as cobranças sociais ficam muito piores. Sinto que no fundo, talvez essa mesma sociedade que a julga nutre uma certa inveja desse atrevimento e coragem que ela tem.

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Por outro lado, a grande sacada do filme – bem como a mensagem que está por trás – acredito que seja justamente o poder dessa perspectiva otimista e divertida com que Frances encara a vida. Por mais que a situação seja grave, ela mantém o bom humor e se diverte com o trágico. Talvez esse “jeito Frances” de não guardar mágoas, de saber sempre perdoar, seja o jeito mais sábio de atravessar as dificuldades da vida. Observamos uma Frances mais madura no final do filme, sem dúvida ela saberá lidar com as mazelas futuras com muito mais sabedoria e facilidade que os demais personagens, por exemplo. Se há dedicação, persistência e amor, há a possibilidade de tornar a coisa real. Talvez no meio do caminho seja necessário abandonar hábitos e rever possibilidades mas não é preciso desistir daquilo que tanto almeja e que só depende de si. Frances nos prova, no final das contas, que tudo depende da perspectiva. Mudar o ponto de vista pode ter um potencial valioso!

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