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Crítica: É Fada

É Fada não só é uma bobagem (e pior: uma bobagem ruim), mas também um filme feito por todos os motivos errados.

Ficha técnica:

Direção: Cris D’Amato
Roteiro: Fernando Ceylão, com colaboração de Bárbara Duvivier e roteiro final de Sylvio Gonçalves
Elenco: Kéfera Buchmann, Klara Castanho, Silvio Guindane, Mariana Santos, Carla Daniel, Clara Tiezzi, Christian Monassa, Bruna Griphão, Junior Vieira
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 06 de outubro de 2016

Sinopse: o longa-metragem conta a história de Geraldine, uma fada que perdeu suas asas por utilizar métodos pouco convencionais em suas missões. Sua última chance para recuperá-las será a missão Julia (Klara). Julia foi criada somente pelo pai, com muito amor e poucos recursos. Depois de anos, a mãe retorna e passa a questionar a educação de Julia. Eis que surge Geraldine para ajudá-la a vencer os preconceitos e estabelecer novas amizades, mas Geraldine continua atrapalhada e Julia logo descobrirá que nem todas as fadas são iguais.

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É Fada é o tipo de projeto que já nasce polêmico, envolto em dúvidas e até  num certo preconceito – pelo menos na questão cinematográfica. Talvez seja porque o próprio conceito do filme – uma comédia protagonizada por uma youtuber famosa –  além de soar absurdo, já atribui uma certa desconfiança em relação à sua relevância “artística”. Pois bem, Kéfera Buchmann, a protagonista deste… “filme”, é formada em cinema e já realizou diversas peças teatrais. O maior desafio num caso desses, portanto, é tentar não julgar o filme previamente. O cinema produto pode ser apreciado, e funciona até certo ponto. Mas há sempre um limite, e infelizmente É Fada parece desconhecer todos.

É Fada se baseia livremente no livro Uma fada Veio Me Visitar, de Thalita Rebouças, deixando claro já de início seu público alvo: as pré-adolescentes. A maior contribuição da obra original para esta “adaptação” é o enredo, que gira em torno de uma garota com seus 13 anos que é visitada por uma fada, que tenta ajudá-la a superar os problemas que uma garota nessa idade teria. No “filme”, a jovem se chama Júlia (Klara Castanho), e a desastrada fada, Geraldine (Kéfera Buchmann). Além dos costumeiros problemas escolares que evolvem, entre as atrações pelos “boys” e a pressão social, as ridicularizações feitas pelas garotas populares – lideradas pela ex-Malhação Bruna Griphão, a estereotipada “bitch” da vez – Júlia deve lidar também com as constantes rixas entre sua mãe (Mariana Santos) e seu pai (Silvio Guindane), que são divorciados. É aí que entra Geraldine, uma fada que perdeu suas asas por utilizar métodos pouco convencionais em suas missões (a fada desastrada foi responsável, inclusive, pelo famigerado “7 a 1”, derrota da seleção brasileira de futebol para a Alemanha). A fada então vê em Júlia uma oportunidade de conseguir suas asas e fazer uma garotinha feliz no processo, mas ambas acabam se metendo em altas confusões!”.

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Infelizmente, se havia algum resquício de esperança de que É Fada fosse mais do que uma bobagem, ela é jogada pela janela logo nos primeiros minutos, no primeiro travelling descontrolado e em fast forward pela floresta ou no momento em que ela retira uma varinha de seu ânus, tudo isso com os efeitos especiais precários, edição digna de filmes de estudantes e atuações simplesmente ruins – até mesmo para o padrão do exagero provenientes da comédia pastelão. Talvez (com ênfase no talvez) Kéfera possa ser divertida durante 5 minutos que preenchem o ócio num vídeo do Youtube, mas com certeza ela não consegue carregar uma obra de 85.

Se as câmeras aéreas que percorrem a floresta e cidade em uma velocidade aumentada, de forma irritante e artificial, já não fossem um indício de que a diretora Cris D’Amato não possui a menor ideia do que está fazendo, ela insiste em incluir firulas visuais de forma aleatória, como no momento em que a câmera percorre um viaduto e atravessa o vidro da janela do apartamento de Júlia sem nenhuma razão narrativa.

As atuações são inconsistentes umas com as outras, deixando confuso o tom do próprio universo. A Geraldine de Buchmann teria melhor efeito (e isto não é um trocadilho com os risíveis efeitos especiais) se ela fosse a única figura exagerada do projeto, mas como temos coadjuvantes humanos tão excessivos quanto a fada, a interpretação de Kéfera acaba sendo diminuída graças a tais inconsistências. Klara Castanho, uma atriz promissora, não tem muito o que fazer como Júlia, enquanto o bom ator Silvio Guindane entrega uma performance mais séria (ainda que cômica), que destoa totalmente das outras vistas no filme, e isso não necessariamente é culpa do ator, e sim da direção incompetente de D’Amato, “auxiliada” pelo pavoroso roteiro de Fernando Ceylão, Bárbara Duvivier e Sylvio Gonçalves. Geraldine e Júlia não possuem entrosamento.

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Mas por que as hipérboles? Por que a “pegação no pé” da maior parte da crítica direcionada a É Fada? A verdade é que até Xuxa e Os Duendes, até O Cavaleiro Didi e A Princesa Lili, até Acquária, por piores que fossem como cinema, possuíam pelo menos uma “moral da história”, a obrigatória mensagem conscientizadora ou algo do tipo. E não estamos vendo um caso em que É Fada tenta renegar isso, fazendo uma espécie de subversão ou uma abordagem politicamente incorreta. Os realizadores tentam realmente passar uma mensagem que no final nunca fica clara. Além de ser um filme que se propõe a passar uma mensagem mas não a define de fato, ele consegue ser pior ao ser simplesmente ofensivo, incluindo, por exemplo, uma cena em que Geraldine (as quais as piadas consistem em ofender os coadjuvantes, ressaltando suas imperfeições físicas) testa penteados em Júlia e incluí um blackpower – no “melhor” estilo blackface – com direito à objetos enfiados nele.

Então temos, no final, um filme frankenstein, inconsistente em todos os aspectos. Temos Geraldine, com seus tênis de fada estilizados da adidas tentando dialogar com uma geração cada vez mais vazia e superficial (e essa superficialidade fica evidente na quantidade de garotas mexendo no celular no meio da sessão, o que sugere que nem elas sabem o que estão consumindo). E a parte mais triste é que realmente parece funcionar, já que as fãs da atriz youtuber estão comparecendo aos cinemas fielmente.

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Este projeto não só é uma bobagem (e pior, uma bobagem ruim), mas também um lembrete amargo de um tipo de cinema nacional que vem diminuindo ao passar dos anos (graças a constatação das produtoras, cineastas e público de que aquela conversa de que cinema brasileiro é constituído apenas “filme de favela comédia” é bobagem), mas que ainda encontra espaço nas comédias “de celebridade”, que recorrem para o poder que as mesmas possuem de atrair sua fiel – e extensa- legião de fãs às salas de cinema. Como já mencionado, não há problemas em fazer um produto assumido. Mas É Fada é um filme-produto ruim. É um “filme” feito por todas as razões erradas.

E nos créditos finais, com uma montagem incluindo a personagem dançando ao som de Essa Fadona” (entenderam o trocadilho?),  “composta” especialmente para o projeto, percebe-se que a É Fada é também prejudicial à saúde – física e emocional – já que a dor de cabeça e mal-humor ao final da sessão são garantidos.

  • Nota Geral:
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Resumo

Este projeto não só é uma bobagem (e pior, uma bobagem ruim), mas também um lembrete amargo de um tipo de cinema nacional que vem diminuindo ao passar dos anos (graças a constatação das produtoras, cineastas e público de que aquela conversa de que cinema brasileiro é constituído apenas “filme de favela comédia” é bobagem), mas que ainda encontra espaço nas comédias “de celebridade”, que residem no poder que as mesmas possuem de atrair sua fiel – e extensa- legião de fãs às salas de cinema. Como já mencionado, não há problemas em fazer um produto assumido. Mas É Fada é um filme-produto ruim. É um “filme” feito por todas as razões erradas.

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