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Crítica: Chocolate (2015)

Chocolate é um uma comedia dramática, mas fundamentalmente é um drama com com uma dose cruel de comédia.

Ficha técnica:
Direção: Roschdy Zem
Roteiro: Roschdy Zem, Cyril Gely, Olivier Gorce, Gérard Noiriel
Elenco: Omar Sy,  James Thierrée, Olivier Gourmet, Clotilde Hesme,  Alex Descas
Nacionalidade e lançamento: França, 2015 (21 de julho de 2016 no Brasil)

Sinopse: Final do século XIX e início do XX, um homem consegue fugir da escravidão e se abrigar em um circo. Mas, mesmo com o talento reconhecido, o preconceito o persegue. E as risadas no picadeiro se transformam em dor e lágrimas.

Chocolate

Kananga, cujo nome de batismo é Rafael, trabalha em um circo. Ele interpreta um canibal “que mal foi domesticado e fala francês pior que um macaco”. Utilizam, portanto, a origem africana para, em tom jocoso, “aterrorizar” o público. Contudo, algum tempo depois ele se tornaria Chocolate, um artista de muito sucesso na capital francesa – mas ainda assim com a questão do racismo sempre em voga.

George Footit, um palhaço com um certo renome, mas que vive algum ostracismo e maus momentos com o dono do circo, descobriu Kananga. Footit vê nele uma oportunidade de trabalharem juntos em um número inédito – um palhaço negro e outro branco juntos no palco. Assim começa uma conturbada e bela amizade entre eles.

Apesar de uma aparente tranquilidade, os problemas a serem enfrentados são bem delineados no primeiro arco. A mulher do dono do circo no interior não gosta de Kananga, a ausência de documentos que o tornariam legal no país e o vício em apostar. Além, é claro, do racismo. Eles aparecem de forma orgânica na narrativa e compõe o personagem e as circunstâncias que o cercam.

Logo surge a oportunidade da dupla integrar uma casa de espetáculos de grande importância em Paris. Alto salário e muito público são agora a realidade de ambos. Porém, com um número onde basicamente Kananga, agora Chocolate, é o “idiota” e chutado, estapeado e inferiorizado pelo personagem de Footit. A fisicalidade e carisma daqueles artistas ocasionam incontáveis risadas nos presentes. Até mesmo na gente, público do século XXI e sabendo do racismo ali contido, o riso é provocado. Para além da mensagem do negro sendo subjugado, há uma intensa movimentação cômica com a marca do circo raiz: tropeções, cambalhotas e gritos.

Chocolate

O protagonista, mesmo sofrendo com o racismo, não é retratado apenas como vitima. Ele não é um herói absoluto. Mulherengo, vaidoso, cheio de vícios e preguiçoso nos ensaios são algumas das características que vemos em Chocolate. Esse conjunto, a luta contra o preconceito e os caracteres não muito louváveis, tornam-o uma figura complexa e geram um realismo e empatia mais eficazes.

O trabalho de Omar Sy interpretando Chocolate é excepcional. O sorriso, gargalhada e olhar dão personalidade à malemolência do corpo. Além disso, o timming de comédia evidenciado nas primeiras cenas o acompanha durante todo o filme. E quando o peso dramático é requerido, Omar convence plenamente. A cenas na chuva e a última do filme comprovam isso.

James Thierrée, neto de ninguém menos que  Charles Chaplin, também se mostra muito bem. Dando um ar paternal, mas sem cegueira. Uma sóbria responsabilidade fora dos palcos e a inconsequência dentro deles. A pergunta feita por Chocolate questionando o motivo de Footit não rir reverbera posteriormente. Traz a clássica imagem do palhaço que faz todos rirem, mas o próprio é recheado de amargura.

chocolate

A química de ambos os atores tornam essa uma dupla marcante, diferentes e indissociáveis – como dito no filme e marcado visualmente por um forte aperto de mãos. A amizades deles, de certo modo utilitária, é construída de forma crível e profunda. Desde o “treinamento” inicial, passando pelos momentos no alojamento e camarim, chegando ate o clímax do longa.

Mesmo as atuações e personagens sendo o ponto alto aqui, os aspectos técnicos não ficam pra trás. O design de produção e figurinos remetem à época. A fotografia em tons sépias nos precisos flashbacks e mais coloridas no circo também lustram bem aqueles cenários aparentemente alegres. Ela sabe dar tons mais sóbrios quando o drama surge e o mantém até o final.

Algumas passagens merecem destaque. Há uma conversa sobre o papel do artista e a hipocrisia na sociedade da Cidade-Luz que é a virada para o protagonista, até então conformado e repetindo algumas vezes “está bom aqui”. As referência às obras shakespearianas martelam ideias o tempo todo e culminam em uma decisão importante em Rafel/Chocolate, sendo a frase marcante “Otelo foi punido pela ingenuidade” muito condizente com a situação do personagem em Chocolate. E uma cena envolvendo a gravação de um filme firma a data dos acontecimentos e é uma cereja para os amantes da sétima arte.

Chocolate tem uma das melhores construções de personagem do ano (equiparado apenas a Truman), uma dupla muito entrosada, sendo faces diferentes de uma mesma moeda (à la Dois Caras Legais), possui momentos de reflexão e apresenta uma leveza pesada em quase todas as cenas. A direção de Roschdy Zem deixa a narrativa falar por si, mas quando aparece o faz com muita força. A cena final é o exemplo mor disso. Por tudo isso, respeitável público, Chocolate é simplesmente imperdível.

  • Nota Geral
5

Resumo

Chocolate tem uma das melhores construções de personagem do ano (equiparado apenas a Truman), uma dupla muito entrosada, sendo faces diferentes de uma mesma moeda (à la Dois Caras Legais), possui momentos de reflexão e apresenta uma leveza pesada em quase todas as cenas. A direção de Roschdy Zem deixa a narrativa falar por si, mas quando aparece o faz com muita força. A cena final é o exemplo mor disso. Por tudo isso, respeitável público, Chocolate é simplesmente imperdível.

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