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Crítica: A Luneta do Tempo

A Luneta do Tempo mostra que Alceu Valença é de fato um ótimo músico, mas é muito mais que isso…

Ficha técnica:
Direção e roteiro: Alceu Valença
Elenco: Alceu Valença, Irandhir Santos, Hermila Guedes, Ivair Rodrigues, Servilio de Holanda
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 24 de março de 2016

Sinopse: os embates entre os cangaceiros, liderados por Lampião, e Antonio Severo, representando a polícia. Perpassadas pelas aventuras de um circo itinerante.

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Quando tomei conhecimento de um longa dirigido por Alceu Valença sabia que não poderia perder essa inusitada obra. A Luneta do Tempo está em cartaz em poucos cinemas, em geral naquele cinema que exibe filmes de “arte”…. E Alceu consegue nos brindar com uma obra de arte e tanto…

Normalmente o som é um elemento analisado no meio das críticas, quando mencionado… contudo aqui não tinha como ser diferente: é obrigatório começar por ele. A Luneta do Tempo é extremamente sonoro. A trilha (composta pelo Valença) é constante. Há também sons diegéticos, presente no universo da história – como em rádios, por exemplo. Em outros momentos os personagens cantam, por vezes virando quase um musical. Sem contar o tom ritmado das falas na maioria dos diálogos. Os outros sons, “menos musicais”, também são bem audíveis e marcam o longa.

Infelizmente a parte musical engole a narrativa em alguns momentos. Em outros cansa um pouco, ficando um tanto carregada demais. O roteiro é bem prejudicado em alguns instantes por decisões várias da direção, como uma edição por vezes utilizando cortes bruscos ao término das cenas. O longa tem um arco, a partir dos 40 minutos, que poderia ser melhor trabalhado. No final este se recupera bem. Mas a sensação de barriga fica notória. Agora fique tranquilo que esses serão os únicos problemas que apontarei…

Resumirei A Luneta do Tempo como sendo um cordel filmado. A já falada linguagem rítmica, o cenário do sertão – tema muito caro neste tipo de literatura, uma certa fantasia,  presença de mitos (como a figura do Lampião) e o burlesco em cenas dramáticas são algumas das característica que vemos. Há inclusive uma metalinguagem bem explícita mencionando cordel.

Os personagens, mesmo sendo unidimensionais, são bem interessantes e geram uma empatia instantânea com o público. Há uma mescla de tudo que conhecemos com algo completamente novo. Os embates não são espetaculares, mas cumprem bem a função dentro daquele contexto.

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O elemento circense foi precisamente escolhido para dar o fio condutor à narrativa. O papel dele na história é de enorme relevância na construção daquele locus. A dualidade vida/morte, a mimese estabelecida e o cenário/personagem – quase uma entidade…. tudo isso cresce de modo orgânico e encantador aos nossos olhos.

Há muita simbologia, algumas oniricamente reais e outras cruamente fantasiosas. A abordagem brinca com vários elementos, todos bem sustentados por aspectos técnicos de relevância. A fotografia, design de produção e a própria direção de Valença são dignos de nota. A câmera tem movimentos dinâmicos e sabe “aquetar” nos momentos devidos. Há ângulos pouco usuais aqui.

O tempo é explorado em excelência. Passado, presente e futuro se misturam de um jeito que possibilita referências e se tornam o principal elemento do longa (fora as músicas, é claro). A luneta, presente no título, poderia ter um papel maior, mas é um instrumento reflexivo e artístico. Aliás, há rápidas palavras sobre arte no final do filme que fazem os olhos marejarem.

As atuações dão uma relevância à história de um jeito que convence. Hermila Guedes se mostra encantadora como Maria Bonita (honrando a alcunha). Passa também, junto com Lampião, uma sobriedade que, no bom sentido, esvai-se nos devaneios da dupla. Irandhir Santos está simplesmente brilhante. Expõe absolutamente tudo que o personagem pede e perpassa vários sentimentos. Alceu Valença, onipresente nesta produção, também atua fazendo um palhaço, o Velho Quiabo, e ele vai bem. Alguns outros personagens, principalmente figurantes, deixam um pouco a desejar.

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A Luneta do Tempo traz uma das figuras mais controversas e estudadas do nosso “folclore”. Lampião é um vilão para uns e um messias para outros. Alceu Valença dá conta de brincar com as contradições do personagem em um tom leve e quando a violência se faz necessária também a mostra com firmeza.

No Indic(ação) #18  falamos sobre filmes nacionais e trouxemos a questão da produção do cinema no nosso país. Em alguns momentos, inclusive, A Luneta do Tempo lembra O Auto da Compadecida, citado no referido podcast, o que é um baita elogio…

Ao mesmo tempo que Alceu peca ao tentar abraçar o mundo e acaba não dando conta em alguns pontos, há um notório esmero em diversos aspectos. Vemos um artista em ação fora da zona de conforto dele. O resultado é digno de aplausos e merece ser visto nas telonas.

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