"Poetry" - 2010
Artigo

“Poetry” – 2010

Gosto de flores e de dizer coisas estranhas

É perceptível o quanto a poesia nos entrega a nós mesmos, nos leva à lugares desconhecidos os quais jamais pensaríamos ser possível conhecer; o homem cria, inventa, reinventa e o que mais nos chama à atenção, é o modo simples como Shakespeare descreve, entende, relata, com palavras singelas e doces, a força da natureza, suas delicadezas e o quanto o amor é vivo, tanto em nossas vidas quanto no saber viver com alguém. Por conseguinte, através da filosofia, há de se perceber que o homem como ser pensante, o qual percebe, reconhece, engloba os conhecimentos a sua volta, sem ele então, não há ninguém, isto é, outro ser capaz de criar algo tão inovador e despojado de preconceitos e peripécias que poderiam inflamar suas palavras e transformá-las em pó. O homem se relaciona consigo mesmo, com a linguagem, com a filosofia, não há o desencontro entre si e de si para com o mundo que o engloba, só basta ver.

A escrita, o pensamento, a escolha das palavras que virão à tona preencher um papel em branco com um lápis, só são possíveis via um recolher pessoal, um abandono do cotidiano, dos afazeres práticos da vida que tanto nos consomem e que nos fazem cada vez mais nos afastarmos daquilo que poderia ser visto e que se encontra a nossa frente, contudo, não somos capazes de vê-las com nossos próprios olhos, tais coisas passam desapercebidas. Quando sentamos em frente ao mar vemos coisas. Podemos conversar com as ondas, com o azul que cobre a vasta paisagem daquele quadro que só existe se estivermos presentes para que ele exista para nós. Mas também, não é necessário estar presente numa praia e observar o seu redor para encontrar a poesia dentro de si, basta um olhar mais simples, perceber mais o que nos rodeia, pode ser simplesmente uma leitura numa cama, sentar-se numa cadeira no silêncio, as mensagens e a reflexão fluem para si naturalmente, a abertura, então, de nós mesmos é necessária.

Embora a poesia geralmente se encontre em torno da beleza verdadeira e de amores e boas sensações que temos ao nosso redor, também, não deixa de pertencer ao mundo obscuro, melancólico e de sentimentos humanos os quais mesmo que não desejáveis, existem e fazem parte do nosso ser. O ódio, a raiva, o tédio, a morte são por exemplo características com as quais temos que lidar em nossas vidas, contudo, podemos fazer com que tais tornem-se num papel em branco, pensamento, desdobramentos dessa dimensão para o encontro de uma outra, e na escrita talvez, superar o que se sente. A busca pela escrita não se dá pela vontade e pela perseverança do ato em si, já que o conteúdo vem de outras esferas, de outras planícies as quais temos que atingir por vias outras, como se conhecer melhor, se deixar livre para pensar o que for, se libertar de paradigmas e modulações as quais nos adequamos para que desta forma nos aceitem para o conglomerado dos aceitos. É preciso ter a visão abrangente do simples, arredondar a visão diante das coisas, das pessoas, dos acontecimentos e de nós mesmos.

O mais contagiante do filme Shi, que traduzido para o português significa Poesia, é a procura de uma senhora, que por se interessar por literatura, decidi ter aulas de poesia e escrever um poema. No entanto, ao mesmo tempo, ela descobre que tem Alzheimer, uma doença que atinge o cérebro fazendo com que ela acabe se esquecendo das coisas, das palavras, de seus atos. Agora, como lidar com o desejo de escrever poesia, se no caso dessa senhora, as palavras se vão com o vento?

“Como é lá? Quão solitário é? Ainda é vermelho ao pôr do sol? Os pássaros continuam cantando no caminho para a floresta? Pode receber a carta que não ousei enviar? Posso transmitir a confissão que não ousei fazer? O tempo passará e as rosas desaparecerão? Agora é hora de dizer adeus. Como o vento que permanece e depois vai, exatamente como as sombras. Para as promessas nunca cumpridas, para o amor mantido até o fim. Para a grama beijando meus tornozelos cansados. E para os pequenos passos que me seguem. É hora de dizer adeus. Agora como a escuridão cai, uma vela será acesa novamente? Aqui eu rezo para que ninguém deva chorar e para que saiba o quanto te amei. A longa espera no meio de um dia quente de verão. Um velho pensamento me lembra o rosto do meu pai. Mesmo a solitária flor selvagem timidamente afasta-se. Quão profundamente amei”.

Informações sobre a doença de Alzheimer: http://drauziovarella.com.br/envelhecimento/doenca-de-alzheimer/

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