ROCHA )S( #07 - OLHAR & PROVOC.AÇÕES
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ROCHA )S( #07 – OLHAR & PROVOC.AÇÕES

O que faz uma entrevista interessante, além (ou até mais) da persona entrevistada, é o poder que “quem entrevista” tem de conduzi-la. Instigar! Fazer o entrevistado sair do senso comum, do jogo defensivo de respostas prontas, é uma proeza que vai além do ofício jornalístico.

Abujamra provoca como ninguém. Uma entrevista atemporal, não morre nos 30 minutos do “face to face”. O diálogo ecoa.

A provocada da vez, em 30 de junho de 2010, foi a cineasta Anna Muylaert.

Quase cinco anos depois, o tema se revela tão contemporâneo. E é na faísca de uma das provocações do mago-bruxo, que esse texto coloca em discussão o cinema brasileiro, seus meandros, e a dura arte de fazê-lo.

 

O cinema pode ser a indústria de bilhetes e egos ou a arte em sua obscura e instigante existência. Tudo vai depender da lente, do olhar…  

Os Cineastas e seus olhares… 

 

PROVOC.AÇÃO 01:

“O que é ser cineasta em um país em que a distribuição e a exibição estão nas mãos do Homem Aranha, e onde os incentivos para produção/realização ainda são insuficientes e limitados”?

 

“Eu diria que não é só no Brasil que o mercado de distribuição é dominado pelo filme Hollywoodiano. Na verdade poucos são os países que conseguiram criar barreiras no seu mercado exibidor. No Brasil o grande problema, muito mais do que na área de produção, está na exibição/distribuição. Muitos filmes conseguem ser realizados, porém não são pensadas políticas públicas efetivas que façam esses filmes circularem aos olhos do público. Seja um curta-metragem ou um longa. O mercado exibidor brasileiro ainda é muito restrito, por isso muitas produções ficam por muito tempo na gaveta. Com esse panorama, ser cineasta é coisa de gente maluca que precisa de tarja preta! hehehe. O que nos resta é trabalhar com o jeitinho brasileiro, criando mecanismos próprios de produzir e de exibir o seu material” (Maurício Lídio – BA – cineasta, produtor, editor e diretor da SCRACHO FILMES)

 

“… É algo realmente complicado. Apesar das leis de incentivo, dos diversos editais e outras formas de financiamentos públicos o fazer cinematográfico encontra-se vinculado a uma série de mecanismos que mais se assemelham ao de uma loteria – que premia alguns poucos – do que o de um mercado que possibilita a produção constante de conteúdos audiovisuais. A situação se torna ainda mais dramática quando analisamos o mercado voltado para a produção de curta-metragens, que é a área em que nosso coletivo de produção audiovisual (ÊPA FILMES) atuou até o momento. Em 2013 um de nossos curtas selecionado para 12 Festivais, recebeu dois prêmios e não arrecadou nem um único centavo nesse ano que circulou por diversas cidades e Estados do país. Ao contrário, o filme que foi feito de forma totalmente independente contando apenas com as verbas empregadas pelos próprios realizadores, ainda teve uma série de despesas com postagens, envios e pagamentos de inscrições em festivais. Essa que é uma das poucas janelas de exibição para os filmes de curta duração premiam alguns poucos, enquanto todos os outros filmes responsáveis pela existência de centenas de festivais em todo o Brasil, ficam de fora dessa fatia extremamente pequena e pouco relevante, quando comparamos o valor dos prêmios com os custos de produção dos premiados. Talvez esta fosse uma das questões a ser repensada. Existe uma janela, um público e uma demanda, mas não existe uma forma de retorno financeiro para os filmes que compõem este vasto circuito, com exceção daqueles poucos citados anteriormente. Uma música arrecada valores toda vez que é tocada em uma rádio, mas um filme pode passar por diversos festivais sem que lhe seja pago absolutamente nada. Algumas iniciativas para remunerar os filmes de curta-metragem por cada exibição vêm surgindo na internet, a exemplo do VIMEO ON DEMAND que cobra um valor pela liberação da exibição online do filme por um determinado período de tempo e a iniciativa baiana SÉTIMA.TV que cria uma moeda virtual, o Lúmem, recebida pelos assinantes para contribuírem com as obras assistidas dentro da plataforma, depois convertida pelos detentores dos direitos de exploração comercial em reais. Uma outra vitrine que vêm se ampliando cada vez mais é a da TV paga, influenciada pela demanda gerada pela lei 12.485. A exibição de curtas nestes espaços vem se tornando cada vez comuns com a existência de canais especializados neste formato, mas os valores pagos pelos licenciamentos destas obras ainda são insuficientes para pagar os seus custos. (…) Observo que a criação de um espaço de produção cinematográfica fortalecido dentro do país, depende imensamente da articulação dos agentes produtores e de políticas públicas que possam preservar e ampliar os espaços de exibição para os filmes nacionais, fortalecendo a nossa indústria cinematográfica e possibilitando que ela possa concorrer de forma menos desleal com algumas predadoras indústrias estrangeiras.” (Murilo Deolino – Valença-BA – cineasta – integrante do coletivo ÊPA FILMES )

 

“Acho que ser cineasta em nosso país hoje é bem mais que fazer filmes. Não adianta pensar somente em roteiro, realização e edição do filme se tá cada vez mais difícil das pessoas conseguirem ver os filmes brasileiros e o ingresso de cinema cada vez mais caro. Ser cineasta é criar relacionamento com audiência. Todo filme tem seu público e o diretor tem que pensar em divulgar o seu trabalho muito antes de lançar seu filme. Não adianta só conversar com audiência a cada quatro anos no momento do lançamento do filme. Relacionamentos duradouros precisam de tempo pra se construir.” (Zé Agripino – SP – cineasta – produtor/diretor do COLETIVO LUMIKA)

 

“Mesmo havendo leis de proteção ao conteúdo nacional, a exemplo da limitação de até 35% da ocupação de salas de cinema de um mesmo completo, pelo mesmo filme, há exibidoras que não cumprem a lei, pois não há fiscalização suficiente. O apoio ao cinema nacional tem se intensificado, sobretudo com o advento do Fundo Setorial do Audiovisual, mas ainda não dá acesso a todos, além de ter um foco maior na produção de conteúdo para TVS. Um bom exemplo de recursos insuficientes é o Edital Setorial de Audiovisual da Secretaria de Cultura da Bahia, com uma média de 300 projetos inscritos anualmente, apenas uma faixa de 50, no máximo, são selecionados. Além do orçamento anual estar estagnado há três anos no valor de 6,5 milhões, mesmo com o valor do salário mínimo subindo, e o valor total solicitado por projetos, ter aumentado. (O proponente pessoa física pode inscrever projetos com o valor de até 150 salários mínimos). Se você for do interior do estado, a dificuldade é ainda maior, pois 85% da verba deste mesmo edital fica concentrada em Salvador e os outros 15% no interior do estado. Ser cineasta hoje, nesse contexto, é ser desafiado a cada trabalho em busca de novos formatos de produção, de exibição e de distribuição. ” (Edson Bastos – Ipiaú-BA – Cineasta)   

 

PROVOC.AÇÃO 02:

“Bilheteria, publicidade, crítica… Os elementos que teoricamente determinam o sucesso comercial de um filme, influenciam ou interferem o seu processo de criação? Essa relação é nociva ao fazer cinema?”

 

“Bom, estou falando aqui no plano da imaginação, porque ainda não produzi material cinematográfico para salas comerciais, porém essas são áreas que influenciam sempre na minha produção, até mesmo de um curta-metragem. Sempre tento fazer uma produção visual interessante para os meus filmes, seja um cartaz, um blog com um belo design, um trailer bacana… Isso tudo ajuda a vender o filme, a criar uma expectativa favorável no público. Não que o curta vá fazer sucesso comercial, mas isso move-os das suas casas até as mostras, festivais e outras exibições que o filme possa ter. Gera likes no Facebook, visualizações no YouTube… Sempre convido críticos especializados para as estreias dos filmes que faço porque é importante gerar material sobre ele na internet, criar relevância em rede. Além de que é necessário esse retorno sobre o trabalho que realizo. Não considero nociva a relação da publicidade e dos elementos que promovem e vendem o filme com o fazer cinematográfico porque não podemos esquecer que cultura também é mercado e cinema é indústria. O filme é feito para ser visto e, logo, gerar lucro. Claro que nem toda a produção cinematográfica é feita visando o lucro. Eu, que trabalho com produções de curtas não viso o lucro com minhas produções, porém é uma fala de um lugar diferenciado. Quem quer jogar seu filme em sala comercial tem que criar ferramentas que façam o público vê-lo. Ao contrário é muito mais divertido ver “Os Vingadores 2″, por exemplo”. (Maurício Lídio – BA – cineasta, produtor, editor e diretor da SCRACHO FILMES)

 

“Normalmente o meu processo de criação começa com uma primeira centelha que desencadeia toda a narrativa. Essa centelha muitas vezes é apenas uma ideia, uma imagem, uma cena ou somente o título do filme. A partir desse fragmento inicial desenvolvo todo o argumento. Crio vários argumentos e à medida que novas ideias vão surgindo desenvolvo cada um deles até obter uma ideia geral do filme e depois passo para o desenvolvimento do roteiro. Esse processo inicial geralmente acontece sem qualquer influência externa e sem uma preocupação direta com o público. A preocupação é desenvolver uma boa história. O fato de trabalharmos com uma produção independente é um dos principais fatores para adquirimos essa liberdade na hora da criação. Fatores econômicos e financeiros que podem limitar até onde as nossas produções podem ir acabam por influenciar mais no processo do que o retorno financeiro, público ou crítica. É claro que há sempre uma preocupação se o público vai compreender a história e captar a mensagem que queremos transmitir. Mas esse público é idealizado de uma forma mais genérica, sem uma identificação de sexo, idade, ou local onde pode ser encontrado. Penso que a liberdade de criação é fundamental para o desenvolvimento de um cinema inventivo e inovador, capaz de produzir obras autênticas e de forte impacto. Um fazer cinematográfico preocupado demasiadamente com a crítica e sucesso comercial pode até encontrar um respaldo no grande público que levou até as salas de cinema, mas acaba por perder sua força como elemento artístico e transformador. Por outro lado o cinema completamente descomprometido com o público pode acabar por se transformar em um mero instrumento de satisfação de ego dos seus realizadores, já que o cinema não é uma via de mão única e só pode atingir qualquer significado através da fruição de quem o contempla.” (Murilo Deolino – Valença-BA – cineasta – integrante do coletivo ÊPA FILMES )

 

 

“Isso é bem complexo. Não acho que um diretor deve fazer filmes pensando em boas críticas necessariamente, mesmo que pela regra do jogo atual isso seja importante para o sucesso comercial de um filme. Mas acho que ele deve ser preocupar muito com a publicidade do filme e no processo de construção de audiência. Se o realizador sabe que seu filme não vai agradar a crítica, mas ao mesmo tempo ele sabe que existe uma audiência específica que vai gostar do filme, ele precisa definir, localizar e começar o diálogo o quanto antes, se possível desde a filmagem. As regras do jogo são essa e se você quer e precisa vender ingresso em sala de cinema comercial você precisa jogar as regras. Se o realizador sabe que um dos fatores da equação é fraco você precisa investir dinheiro e energia nos outros fatores. 
Mas você pode não querer ou precisar lançar o filme em sala de cinema, fazer um lançamento mais barato na internet, no Vimeo On Demand por exemplo, ou tentar exibir na televisão direto. Não acho que os filmes precisem necessariamente ter lançamentos comerciais em sala de cinema.” (Zé Agripino – SP – cineasta – produtor/diretor do COLETIVO LUMIKA)

 

“Há produtoras que já pensam no filme sobre a condição do sucesso comercial do mesmo. Recebem muito dinheiro para publicidade e consequentemente ganham muito com a bilheteria. São geralmente filmes que utilizam de fórmulas que costumam dar certo. Mas esses três elementos juntos, podem também não significar nada, pois a quantidade de filmes com muita bilheteria, muita publicidade e muitas matérias circulando pela mídia levam visibilidade ao produto, mas não carregam consigo nenhum diferencial, nada de criativo, apenas educam ainda mais o nosso espectador ao produto estrangeiro. Precisamos encontrar outras formas de fazer cinema para não ficarmos tão reféns do Estado, maior financiador do cinema nacional e de preferência maneiras de não ficarmos também reféns da publicidade que pode sim interferir no modo de criação do cineasta. Pensar uma cena com a obrigação de inserir um merchandising é diferente de ter a liberdade para criar da sua forma. Há espaço para todos os formatos, quem quiser seguir receita de bolo, há vários manuais ensinando como se faz, mas quando tudo fica muito repetitivo, é hora de valorizar o que está sendo feito de forma diferente”. (Edson Bastos – Ipiaú-BA – cineasta)   

 

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COLETIVO LUMIKAhttp://lumika.art.br/

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