Vingadores: Era de Ultron" e o efêmero
Vingadores: artigo. Telas verdes, muitas telas verdes mesmo.
Artigo

“Vingadores: Era de Ultron” e o efêmero

Uma vez, em uma das muitas oportunidades que tive de visitar exposições importantes, lembro-me de poder apreciar o quadro “Las Meninas” de Diego Velásquez, e sua versão cubista feita por Pablo Picasso. Poucas vezes analisei uma obra com tanto prazer: é como se a atualização de um quadro tão grandioso fosse uma forma de modernizar a arte, sem jamais se desfazer do que foi criado anteriormente.

LasMeninas_DiegoVelasquez

LasMeninas_PabloPicassoNão sei porque quis trazer tal assunto à tona. Talvez porque o quadro de Picasso não tenha perdurado tanto em minha memória visual quanto o de Velásquez. De certa forma, a arte, quanto mais moderna, mais se liquefaz.

É claro: falo de forma genérica, e trago referências ao conceito de liquidez que o sociólogo Zygmunt Bauman utiliza para compreender a pós-modernidade. Mas isso é crucial para que eu consiga explicar o que senti ao ver “Vingadores: Era de Ultron“, segundo filme que une os diversos super-heróis da Marvel de uma só vez nos cinemas.

Explico-me: é como se o filme fosse cada vez mais líquido. Ele se adapta a todas as necessidades mercadológicas e de storytelling das quais podemos imaginar. Ao longo dos 141 minutos de projeção, somos embriagados por piadas rápidas e de timing perfeito, cenas de ação perfeitamente calculadas, trilha sonora sempre intensa, e explicações que se tornam repetitivas ou mastigadas mas que se fazem necessárias em meio à rapidez com que nos são apresentados os elementos da narrativa.

vingadores2

O filme não nos permite respirar. Tudo vem como um tsunami, violento e rápido, porém líquido e adaptável. É como se “Vingadores: Era de Ultron” fosse uma obra de arte que passa por diversas (re)visitas. Foi o que eu senti quando vi todo o time de super-heróis combatendo o vilão em volta de uma bomba que podia explodir uma cidade inteira caso fosse acionada. Tão bela e harmoniosa foi a batalha, que por um breve momento me senti apreciando um quadro pintado a óleo sobre tela. No entanto, o fato de ter sido uma breve cena me fez pensar na rapidez com que ela se foi, na porosidade com que ficou presa à minha retina, e na liquidez com que se adaptou à minha memória para que eu pudesse relembrar após o fim da sessão, reinterpretando e ressignificando a todo tempo – afinal, lembrar é interpretar e criar novos significados.

Na vida que levamos nos dias de hoje, os prazeres se tornam cada vez mais momentâneos. O permanente cede espaço ao efêmero. As cenas intimistas e lentas cedem espaço às imagens rápidas, abruptas e cheias de corte. O prazer de admirar uma obra se transforma, cada vez mais, no gozo rápido de ser bombardeado por um turbilhão de elementos que, somados, nos fazem esquecer, lembrar e então reinterpretar.

Desta forma, “Vingadores: Era de Ultron” é um ótimo representante do nosso tempo.

 

ps: acho muito interessante usar blockbusters para pensar a arte. O crítico de cinema Luiz Carlos Merten publicou um interessante texto sobre “Vingadores: Era de Ultron” em que faz referências a Hitchcock, Truffaut e Kubrick.

Deixe seu comentário