A Última felicidade, 1951
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A Última felicidade, 1951

Confesso ser um fã do cinema Sueco. A Suécia tem algumas características que eu adoro, inclusive estética, desde “A Carruagem Fantasma” de 1921, passando pelas obras primas do Bergman até chegar ao cinema contemporâneo, que tem como grande representante o querido Lukas Moodysson. Mas o foco aqui é o cinema clássico, principalmente no que diz respeito a ousadia em trabalhar com temas polêmicos, dentre eles, o sexo. “Hon Dansade En Sommar” junto com “Mônica E O Desejo” do já citado Bergman foram responsáveis pela propagação de um movimento – pelo menos representava basicamente isso – chamado “pecado sueco”. A visão que o mundo tinha sobre a Suécia, a partir desses filmes e alguns outros, era de um país liberal, o que por sinal é até exagerado. Esse “Hon Dansade En Sommar” ou “Última Felicidade”, de 1951, é considerado por muitos o primeiro filme com distribuição mundial que contém cenas de nudez, ou seja, tem uma relevância histórica muito grande mas que, por um motivo ou outro, hoje se encontra esquecido. Há algum tempo ele fora banido em diversos países, causando desconforto em muita gente, em plena década de 50, período de grandes transformações no cinema e no mundo.

“Última Felicidade” apresenta uma história bem comum, talvez nem tanto na época. É válido ressaltar que mesmo com a questão das cenas de nudez, o filme passa longe de ser polêmico, eu trocaria essa palavra por “ousado”, pois preza pela liberdade da mulher, em fazer o que bem quiser com a sua vida. Funciona como uma espécie de hino em prol a voz feminina. O protagonista é Göran, um rapaz que terminou o ensino médio, faz o típico galã da cidade, ele vai passar um tempo na casa do seu tio, em uma fazenda. Lá acaba fazendo alguns amigos e, principalmente, aprendendo a trabalhar e lidar com as terras. Surge também um interesse romântico, Kerstin, personagem inesquecível interpretada pela musa da época Ulla Jacobsson. O jovem rapaz se vê cada vez mais preso a vida simples por causa de sua paixão. Tendo que dividir-se entre “o bom futuro” planejado pelo seu pai e a coragem em desistir de tudo pelo seu novo amor.

Moça pobre, moço rico, moça do interior e moço da cidade. Bem, Göran não sabe trabalhar, é curioso o papel de Kerstin nesse filme, pois ela representa a força. Ela sabe trabalhar muito bem, em comparação ao seu interesse romântico, que soa por diversas vezes como intocável. É importante perceber, também, a importância do jovem nesse filme, eles utilizam o teatro como forma de protesto pelos seus direitos de serem livres, visto que o padre da pequena cidade é extremamente autoritário e, ainda por cima, influência os pais desses jovens a cercá-los de uma falsa moral onde, principalmente as mulheres, são prisioneiras.

Dosando adequadamente as cenas dramáticas com o bom humor, o filme possui uma boa estrutura narrativa, não à toa venceu o Urso de Ouro de Berlim e fez parte da seleção de Cannes em 1952. Como mantém uma postura, de certa forma, anticlerical, chegou a ser banido na Espanha. É realmente uma obra a frente do seu tempo, mesmo com tamanha naturalidade consegue atrair os olhares pela sua subversidade.

Conforme o tempo vai passando, o filme vai se tornando mais denso, o clima romântico, doce e inocente do início da lugar a uma dose de sensualidade e intensidade. A icônica cena de nudez, por exemplo, deixa bem claro isso. Göran vai ao encontro de Kerstin – pois a menina fora mandada para outra fazenda quando a sua mãe descobriu a relação dos dois – e a convida para nadar com ele, ela então responde rapidamente: “não fico tímida com você, é como se fosse parte de mim”, eles brincam um pouco e fazem amor. Evidentemente a cena é cortada, mas certamente é digna de bater palmas.

Esse amor proibido traz conseqüências para a menina, que luta bravamente para  manter a sua reputação e, enfim, curtir sua paixão, mas cada vez mais o filme vai adentrando na melancolia de seus personagens, se aproximando muito, inclusive, dos filmes do Bergman, há uma cena em que a personagem desabafa, quase que olhando para a câmera:

“Eu aprendi a odiar Deus, e a querer destruir o céu e a terra. Eu só quero seguir meu próprio caminho na vida. Eles disseram que eu pequei, que estou sem salvação. Quando estou acordada a noite é como se eles tivessem lá me repreendendo. Como pode o amor ser sujo e imoral? Os humanos são criados dele, então como pode?”

É um filme corajoso, por embarcar no drama de uma jovem menina que, dada a eventualidade de se apaixonar, precisa enfrentar os julgamentos alheios como mulher. Acaba sendo um registro audacioso dessa metamorfose. É realmente um clássico imperdível.

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