Hiroshima, Meu Amor
Críticas

Hiroshima, Meu Amor

por Bárbara Pontelli

Hiroshima, Meu Amor (Hiroshima, Mon Amour)

Lançamento: 1959

Direção: Alain Resnais

Roteiro: Marguerite Duras

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Hiroshima, Meu Amor – marco do movimento francês Nouvelle Vague – é uma verdadeira obra-prima que atinge sua potencialidade máxima ao mesclar história, amor, política e uma dimensão psicológica arrebatadora. Forte em todos os sentidos; cheio de significados mas é preciso que o espectador tenha uma determinada sensibilidade e bagagem emocional para conseguir digerir e refletir sobre tudo aquilo que o filme oferece. Tendo a memória como tema central da narrativa, é um filme cheio de frases soltas, a princípio desconexas, onde os diálogos se confundem com os pensamentos dos personagens e as falas propriamente ditas. Também observamos esse movimento através de um enredo não linear das imagens: os acontecimentos são mostrados de acordo com as lembranças da protagonista, provocando, uma dimensão psicológica riquíssima. Impossível não ser contagiado pela tensão onipresente dos personagens, na incerteza quanto ao futuro do envolvimento amoroso e nas abordagens sobre os horrores do episódio da bomba atômica em Hiroshima. Tal como todo grande clássico exige, penso que há uma infinidade de abordagens sobre as impressões de um filme como esse, portanto, devo me ater aos pontos que mais me chamam a atenção – como o evento histórico em si e o viés psicológico do romance entre os protagonistas.

Sobre o enredo, temos Elle (Emmanuelle Riva) – uma atriz francesa – que está em Hiroshima atuando em um filme que aborda sobre a paz. Durante a filmagem, ela conhece Lui (Eiji Okada) e acabam vivendo um intenso, breve, confuso e instável romance.

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Logo no início do filme, o espectador afronta-se logo de cara com imagens fortíssimas sobre o horror das consequências do episódio da bomba atômica, principalmente para a população. No aspecto cinematográfico, achei interessante como isso fora abordado: mesclam-se as imagens desse sofrimento com as imagens, diálogos e pensamentos dos próprios protagonistas. Foi feito, assim, uma correlação do clima de tensão onipresente no ar, ou seja, a tensão das lembranças do pós guerra e a tensão quanto ao turbilhão de sentimentos e incertezas que afloram daquilo que deveria ser apenas um breve romance. Penso que a delicadeza e a profundidade com que foram atingidas tais pretensões torna o filme uma obra riquíssima….certamente não é tarefa fácil misturar temas como guerra, amor, paz, memória, relacionamento amoroso, sociedade, política em um único enredo…em um único filme! Como historiadora, também não posso deixar de citar o quão é enriquecedor o cinema procurar abordar o tema da guerra e da memória, ou seja, apresentar-se não somente como o veículo de puro entretenimento e válvula de escape. Particularmente sobre o evento da bomba atômica em Hiroshima – tema não muito explorado – creio que é muito válido chocar o espectador e mostrar o lado dos horrores de uma guerra; o lado da dor e do sofrimento dos habitantes, pessoas comuns… de uma população inteira que realmente foi submetida.

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“(…) se uma bomba atômica corresponde 20000 bombas comuns, e se a bomba de hidrogênio vale 1500 bombas atômicas … quanto valem as 40000 bombas atômicas e de hidrogênio estocadas no mundo? Esse resultado honra a inteligência cientifica do homem…mas infelizmente sua inteligência política é 100 vezes menos desenvolvida.”

O que mais me encanta no filme, é a questão de como a memória é explorada. Vemos não somente a memória histórica, em paralelo, há também a memória de Elle cuja qual é objeto que, de alguma forma, interpõem-se entre ela e Lou. Elle conta de um romance marcante que viveu na juventude com um alemão durante a Ocupação. Super dramático e traumático o desfecho de tal romance, Resnais aponta que – dentre outros aspectos – são as lembranças e as experiências que nos tornam o que hoje somos. Lou é Hiroshima – um homem que escolhe permanecer em um casamento fadado ao fracasso mas continua tentando reerguê-lo tal como um dia fora feliz – e Elle é Nevers – onde ocorreu a experiência do romance com o alemão que a teria marcado para o resto da vida, ou seja, AMBOS compartilham da mesma tentativa do esquecimento; da construção de uma nova memória em cima de uma lembrança daquilo que um dia fora o sinônimo da felicidade e do amor. Entretanto ambos SABEM de tudo que implica essas tentativas….do quanto é difícil viver assim e, justamente por isso, encontram um no outro uma IDENTIFICAÇÃO…..identificam-se nas dores passadas e presentes e, assim, acabam dando-se conta da importância emocional e necessidade psicológica que passam a nutrir um pelo outro. Mas, como fica claro nas atitudes de Elle, o sentimento torna-se um novo círculo vicioso: os dois se deparam com a possibilidade da frustração, do medo de sofrer e, portanto, relutam contra a construção de uma nova memória; de uma nova experiência que, no entanto, fatalmente já acontece! Sem dúvida cheia de contradições, afinal um tema tão abstrato como esse, carrega contradições. Ora ela exalta a importância do esquecimento, ora enfatiza o quanto a memória é imprescindível. Ela discursa que, como com o alemão, ela também esquecerá dele aos poucos…uma belíssima história sobre a memória, sobretudo! Talvez o esquecimento seja uma grande ilusão, uma mentira. Elle e Lou fingem que esqueceram, assim como Hiroshima vive fingindo que esqueceu seu passado…seria inviável prosseguir se não fosse dessa forma! Hiroshima é uma sobrevivente, assim como Elle, Lou e cada um com suas bagagens e experiências de vida.

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Penso que, dentre várias reflexões, essas foram algumas propostas no filme. Como disse anteriormente, certamente, há uma possibilidade de interpretações diferentes…mas essas foram minhas impressões. Em linhas gerais, há todo um traçado que esboça a analogia desse evento histórico em Hiroshima com os próprios dramas particulares dos protagonistas apaixonados e, assim, mescla-se a narração de forma a propor que o próprio espectador tire suas conclusões, tal como nas palavras de Resnais: “(…) Hiroshima é assim: se o espectador não acrescenta alguma coisa ao que viu, parece um filme vazio”.

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