Artigo: O Discreto Charme da Burguesia
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Artigo: O Discreto Charme da Burguesia

ODiscretoCharmedaBurguesia_poster-cartazNão sou nenhum grande entendedor do Surrealismo, mas lembro-me de algumas aulas que tratavam do assunto, seja de cursos livres ou da faculdade. Salvador Dalí é uma das primeiras coisas que nos vêm à mente quando se fala do assunto. Lembro-me de Fellini, e sei que David Lynch é provavelmente o único cineasta do grande circuito comercial que mantém vivo o surrealismo.

No cinema, um dos expoentes máximos foi Luis Buñuel, considerado o pai do surrealismo na sétima arte. Entre tantos filmes geniais, como o curta “Um Cão Andaluz” (1929), que roteirizou com Dalí, está o longa “O Discreto Charme da Burguesia”, de 1972.

Ao contrário de muitos filmes completamente nonsense, este longa se insere no surrealismo de forma menos intensa. Seus primeiros minutos, de fato, se parecem com uma trama apenas banal e vazia, para depois iniciar situações surreais e absurdas, cenas oníricas e críticas mordazes à burguesia e aos hábitos dos ricos.

Repleto de questões e elementos que podem ser discutidos e dissecados devido ao texto, às cenas e também ao período em que foi produzido, “O Discreto Charme da Burguesia” ganhou diversos prêmios, incluindo o Oscar, e foi aclamado pela mesma burguesia que Buñuel critica. A trama, se é que existe, mostra um grupo de amigos burgueses que tentam se reunir em jantares, e em todas as vezes o jantar não ocorre ou é completamente atrapalhado por situações absurdas.

Um dos momentos mais curiosos do filme é quando os personagens falam sobre temas muito polêmicos da política, como o comunismo (na década de 1970 era quase uma heresia) e ordens para a prática de corrupção: um som muito alto como uma sirene ou máquinas de escrever se sobrepõem à fala. Em certo momento, eles chegam na casa de um militar para jantar, e quando se dão conta, estão no palco de um teatro… sendo que logo depois tudo se mostra como sendo um sonho de um dos personagens. Na verdade, em nenhum momento os sonhos demonstrados possuem um começo, e um dos personagens chega a dizer que sonhou com o sonho de um deles para apenas depois ter o seu revelado, mostrando aos fãs de Christopher Nolan que a ideia de “um sonho dentro de um sonho” já existe há muito tempo.

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No fim das contas, os sonhos – que se desencadeiam de forma a formar uma trama completamente sem sentido – são apenas uma forma de se dizer que a burguesia vive um sonho que não corresponde à realidade, e apenas caminha na estrada da vida, como mostram as cenas, preocupada com o estilo, as roupas e o próximo jantar repleto de situações bizarras.

ODiscretoCharmedaBurguesia01Os “burgueses” do longa não apenas vivem situações surreais, como também praticam atos totalmente sintomáticos de sua condição social, de forma que Buñuel consegue mostrar como são pessoas fúteis e desprezíveis. Don Rafael Acosta, que atua como Embaixador do país fictício ‘República de Miranda’, na América Latina, está sempre defensivo quanto às críticas ao seu país, irritando-se em certos momentos. A personagem mais fútil e infantil de todas surge falando algo com mais de duas linhas e de maneira realmente séria apenas uma vez: quando decide dissecar a personalidade de seu amigo ao saber do signo dele. Em outro momento do filme, um dos burgueses decide chamar o motorista para ver como ele bebe Dry Martini, apenas para mostrar que os mais pobres não sabem apreciar a bebida como eles.

Embora o movimento do surrealismo tenha surgido para garantir ao espectador uma possibilidade muito mais livre de interpretar as obras de arte produzidas a partir do automatismo psíquico, que por si permite externar o inconsciente, “O Discreto Charme da Burguesia” é claro em diversas críticas que faz à sociedade, e por isso se destaca como um dos grandes filmes de Luis Buñuel.

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